Tecnica, contenuti e problemi di linguaggio

di György Lukács

[Intervista di Yvette Biró e Szilárd Ujhelyi a Lukács apparsa sulla rivista ungherese “Film Kúltura” e poi in traduzione italiana su “Cinema nuovo”, n. 196, novembre-dicembre 1968]


Nei mesi scorsi il filosofo György Lukács ha assistito alla proiezione di quei nuovi film ungheresi che hanno ottenuto particolari riconoscimenti in patria e all’estero, e che sono considerati tra i più rappresentativi. Tra le opere di Miklós Jancsó, Igy jöttem (Sono venuto così), Szegénylegények (I disperati di Sandor), Csillagosok, katonák (Stellati, soldati [L’armata a cavallo, Ndr]) e Csend és Kiáltás (Silenzio e grido); tra quelle di András Kovács, Nehéz emberek (Uomini difficili), Hideg napok (I giorni freddi) e Falak (I muri); di István Szabó, Apa (Il padre); e di Zoltán Fábri, Húsz óra (Venti ore); di Ferenc Kósa, Tizezer nap (Diecimila soli). Il complesso dei film ungheresi con i loro temi variati solleva un grande numero di problemi sia artistici, sia legati alla nostra società di oggi, sui quali “Film Kúltura” ha posto alcune domande a Lukács. L’intervista – che pubblichiamo integralmente, per gentile concessione della rivista ungherese e nella traduzione di Ivan Lantos – ha avuto luogo il 10 maggio in casa del filosofo; le domande sono state poste dai redattori Yvette Biró e Szilárd Ujhelyi.

Continua a leggere
Pubblicità

A proposito di letteratura e marxismo creativo

di György Lukács

da Lukács parla. Interviste (1963-1971), a cura di A. Infranca, Edizioni Punto Rosso, Milano 2019.

a cura di A. J. Liehm

Intervista rilasciata al giornalista cecoslovacco A. J. Liehm nel dicembre 1963 e pubblicata nel n. 3 della rivista Literární noviny, Praga, gennaio 1964. Qui ripubblichiamo la traduzione italiana apparsa nel n. 69 de Il contemporaneo, febbraio 1964, Roma. Non ci sono indicazioni del nome del traduttore. Si sono apportate alcune rare correzioni.


Lukács – Ecco, di un libro m’interessa sempre se ciò che in esso è detto, non sarebbe stato possibile raccontarlo nella medesima dimensione, diciamo, del reportage, se vi si pongono questioni oppure si risolvono problemi a un livello realmente artistico e non nelle dimensioni della sociologia. A tal riguardo sono un conservatore ed esigo che per tutto quanto vi è di importante nell’arte, si trovi una forma corrispondente. Questo vale da Omero sino a Kafka. Allo stesso modo, sono contro la forma senza contenuto e senza un problema poeticamente concreto, all’interno e viceversa. Per il resto vi sono altri mezzi e strumenti, per esempio la stampa. Credo che un buon lavoro sociologico sia più importante e, dal punto di vista della conoscenza, più redditizio, forse, dell’Homo Faber di Frisch. Affinché un ingegnere si renda conto della propria alienazione nella società capitalistica, non deve necessariamente avere un rapporto con la propria figlia. Questa è un’aggiunta poeticamente inorganica per il lettore modernista. Il problema della alienazione ci viene rappresentato in modo molto più suggestivo da ogni buon sociologo. Compito dell’artista è scoprire il problema mediante la forma artistica. Continua a leggere

Georg Lukács e a literatura do século XX

di Carlos Nelson Coutinho

da Lukács, Proust, Kafka, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005.

[Questo testo rappresenta il capitolo 1 del libro, la cui Appendice contiene uno scambio di lettere tra l’autore e L., e una rassegna dei passi di testi lukacsiani in cui l’ultimo L. parla di Kafka. Come si capirà leggendo il capitolo qui proposto, il libro nel suo complesso vuole condurre un’analisi dell’opera dei due autori citati nel titolo, partendo da tarde categorie lukacsiane criticando quelle espresse da L. medesimo in L’attualità del realismo critico, in particolare l’opposizione realismo/avanguardia – specie per i due autori in oggetto – e la posizione di fronte al socialismo quale criterio di valore per giudicare un’opera del XX secolo. L’importanza di questo scritto ci sembra risiedere non solo nella serietà dell’argomentazione – la cui validità è oggetto del giudizio del lettore – ma anche nell’aver affrontato testi lukacsiani non tradotti in italiano e – per quel che ne sappiamo – per niente letti dai critici italiani].


1.

Uma análise das obras de Marcel Proust e de Franz Kafka — ainda que sumária e parcial, como a que pretendo esboçar nos capítulos seguintes deste livro — requer sempre uma justificativa prévia. Poucos autores, contemporâneos ou não, mereceram uma similar atenção por parte da crítica. Quase todos os pensadores importantes do século XX sentiram a necessidade de acertar contas com a obra destes dois autores, sobretudo com aquela de Kafka. Cabe assim uma pergunta: restará algo a dizer sobre Proust e Kafka? Não terá essa vasta literatura crítica, ou pelo menos sua parte mais significativa, indicado e explicitado a totalidade dos possíveis ângulos de abordagem e, sem naturalmente esgotar o conteúdo da produção destes dois autores (que, como o de toda grande obra de arte, é sempre em certo sentido inesgotável), fornecido o máximo de conhecimento possível — na etapa histórica em que vivemos — sobre o seu significado essencial?

Não se trata, evidentemente, de propor uma resposta radicalmente negativa. Nessa massa de análises críticas de variada orientação, podem-se indicar alguns pontos firmes essenciais, ou seja, conquistas que se incorporaram definitivamente à compreensão do significado do mundo estético de Proust e de Kafka. Mas, ao mesmo tempo, também é possível observar que a descoberta de tais pontos e a fixação dessas conquistas ocorreram freqüentemente no interior de visões de conjunto problemáticas, que, em muitos casos, lançaram um denso véu de equívocos sobre a verdadeira natureza estético-ideológica dos relatos destes dois notáveis escritores.

No caso de Proust, tais equívocos dizem respeito, essencialmente, ao lugar ocupado por sua obra na evolução da literatura e, em particular, do romance. Embora À la recherche du temps perdu tenha, na época do seu aparecimento, despertado forte oposição nos meios “vanguardistas”, tornou-se depois moeda corrente na crítica mais recente a inclusão de Proust, juntamente com Joyce e Kafka, entre os iniciadores da “revolução formal” que caracterizarla a chamada “literatura de vanguarda”. Apontada como exemplo de superação da “anacrônica” estrutura romanesca tradicional, a obra proustiana aparece assim desligada da herança realista que, no plano da arte narrativa, alcançou sua máxima expressão no romance do século XIX.

Ainda que dominante, esta leitura “vanguardista” de Proust está longe de ser unânime. Thomas Mann, por exemplo — que jamais se limitou, em suas análises literárias, a uma abordagem puramente estilística dos autores e das obras —, incluiu Proust entre os romancistas do século XIX, colocando-o expressamente ao lado de Balzac, Stendhal, Flaubert, Tolstoi e Dostoievski. Além disso, desde o aparecimento dos primeiros tomos da Recherche, houve críticos franceses que, como Jacques Rivière — cuja análise, de resto, mereceu a aprovação do próprio Proust —, insistiram sobre o caráter antimodernista de sua obra, ou seja, sobre a estreita ligação déla com a “tradição clássica”.1 Estamos diante de duas avaliações radicalmente contrapostas, as quais, precisamente por sua unilateralidade, levam a equívocos. Mas me parece também que, malgrado esta unilateralidade, ambas colocam problemas reais: com efeito, como tentarei demonstrar no capítulo sobre Proust, a melhor chave para entender a obra do romancista francês é mostrar que, embora se situé na tradição do romance do século XIX, ela já antecipa algumas características da literatura própria do século XX, com todas as implicações conteudísticas e formais que disso decorrem.

Já no caso de Kafka, a polêmica não girou sobre a natureza inovadora ou não da forma estética por ele criada: ao que eu saiba, ninguém pos em discussão o caráter vanguardista e inovador de seus relatos. O que aqui esteve em discussão foi, quase sempre, a natureza da visão do mundo que Kafka expressou em sua obra, discussão que deu lugar à criação de inúmeros equívocos. Com seu costumeiro radicalismo, Theodor W. Adorno observou em 1953: “Do que se tem escrito sobre ele [Kafka], pouca coisa conta; a maior parte é existencialismo.”2 E já bem antes, em 1934, Walter Benjamin dissera: “Há dois mal-entendidos possíveis com relação a Kafka: recorrer a uma interpretação natural e a uma interpretação sobrenatural. As duas, a psicanalítica e a teológica, perdem de vista o essencial.”3

No núcleo dessas interpretações equivocadas, parece-me residir, antes de mais nada, um falso conceito de arte, que se expressa, no caso concreto de Kafka, na tentativa de transformar sua obra em “expressão” ou “ilustração” de uma visão do mundo preexistente à construção dos seus relatos. Mais precisamente: o erro fundamental dessas interpretações (existencialistas, psicanalíticas, religiosas, sociológicas) não depende tanto do conteúdo da visão do mundo que em cada oportunidade se atribui a Kafka, conteúdo que — conforme a ideologia do intérprete ou o ambiente cultural do momento — pôde ser indicado como “ilustração” da mística judaica, do complexo de Édipo, da “derrelição” ontológica do homem num mundo absurdo e irracional, das contradiçoes paralisadoras da ideologia pequeno-burguesa de nosso tempo, etc., etc. O problema é que desse modo, implícita ou explicitamente, nega-se o fato de que a obra kafkiana — como toda obra de arte significativa — é representação mimética da realidade social objetiva e não expressão direta de uma subjetividade individual (consciente ou “profunda”) ou pseudo-universal (religiosa ou classista).

Minha convicção — que tentarei expor nos capítulos seguintes deste livro — é que o significado das obras de Proust e de Kafka não reside na “expressão” de uma idéia abstrata qualquer, nem tampouco tem sua gênese na biografia do autor ou na “psicologia social” de uma classe ou de uma nação. Se quisermos alcançãr esse significado em sua riqueza concreta, deveremos analisar estes dois excepcionais escritores à luz de uma poética do realismo, ou seja, de uma teoria da arte como representação (ou figuração mimética) da essência de uma realidade social e humana históricamente determinada. Nos capítulos seguintes, portanto, tentarei definir, por um lado, o conteúdo histórico-humano-social que serve de pressuposto às objetivaçõs estéticas de Proust e de Kafka; e, por outro, o modo pelo qual esse pressuposto é reposto artisticamente na estrutura de seus relatos. Somente a partir desse critério histórico-materialista será possível definir a visão do mundo imanente à obra dos dois autores (única que interessa numa análise estética materialista), bem como os peculiares problemas formais e técnicos que o modo de reposição estética por eles adotado indiscutivelmente coloca.

2.

O leitor informado terá percebido que o método de abordagem acima proposto é aquele formulado e quase sempre aplicado ñas obras da maturidade de Georg Lukács. E aqui se coloca uma questão: esse mesmo leitor saberá também que o juízo de Lukács sobre Proust e, em particular, sobre Kafka, embora tenha sofrido alterações nos últimos anos da sua longa vida, pôde ser considerado — ao contrário daquele que resulta de minhas análises — como essencialmente negativo.

Sobre Proust, Lukács falou muito pouco em sua vasta obra. Ao longo das quase duas mil páginas de sua Estética, por exemplo, o criador da Recherche é mencionado apenas três vezes, e nunca em função de sua obra narrativa, mas de uma incidental observação que ele fez acerca da presença do reflexo da realidade na obra de Mallarmé.4 É também apenas de passagem que Lukács se refere a Proust em duas outras obras, em ambos os casos para indicar que a visão do mundo do narrador francês inspira-se na concepção do tempo de Bergson, que Lukács considera expressão de um intenso subjetivismo irracionalista.5 Já no fim da vida, contudo, num momento em que se dispunha a algumas revisões de seus juízos críticos anteriores sobre a literatura contemporânea (como veremos mais amplamente no caso de Kafka), Lukács afirma, numa entrevista ao poeta inglês Stephen Spender: “O caso de Proust é muito diferente do de Joyce. Em Á la recherche du temps perdu existe um retrato real do mundo, não uma fotomontagem naturalista (pretensiosa e grotesca) de associações [como em Joyce]. O mundo de Proust pôde parecer fragmentário e problemático. De muitas maneiras, ele preenche a situação do último capítulo de L’éducation sentimentale [de Flaubert], em que Frédéric Moreau volta para casa depois do esmagamento da revolução de 1848; ele já não tem nenhuma experiência da realidade, apenas a nostalgia de seu passado perdido. O fato de que esta situação constitua, com exclusividade, o conteúdo da obra de Proust é a razão de seu caráter fragmentario e problemático. Não obstante, estamos diante da figuração de uma situação verdadeira, produzida com arte.”6 Trata-se, a meu ver, de uma fecunda indicação, que — como o leitor poderá comprovar — tento desenvolver no capítulo sobre Proust.

Ao contrário, pelo menos a partir de 1957, foram inúmeras as vezes em que Lukács se referiu a Kafka. Não é difícil perceber que a obra kafkiana provocou no filósofo húngaro uma sincera admiração, ainda que ele a visse como expressão do vanguardismo que tão duramente combatia. Com efeito, Kafka ocupa um posto decisivo na estrutura da obra que, em 1957, Lukács dedicou aos problemas da literatura contemporânea. Contrapondo Thomas Mann e Kafka como a alternativa típica no seio da literatura “burguesa” do século XX, Lukács afirmava nesta obra que, enquanto Mann construíra “um realismo crítico verdadeiro como a vida”, Kafka seria nada mais do que a expressão de “uma decadência artisticamente interessante”.7 A obra kafkiana aparece como a manifestação mais típica da tendência vanguardista, que Lukács rejeitava pelo menos desde os anos 1930. Embora insistisse sobre o talento realista revelado por Kafka na seleção e composição dos detalhes, Lukács afirmava que esse realismo parcial estaria a serviço de uma construção essencialmente alegórica e, como tal, anti-realista: o objetivo final de Kafka seria indicar o “nada” (o absurdo do mundo) como a essência da realidade. Lukács sintetiza de modo bastante claro sua visão da obra kafkiana: “Uma imagem da sociedade capitalista com um pouco de cor local austríaca. O alegórico consiste no fato de que toda a existência dessa camada e de seus dependentes, bem como de suas indefesas vítimas, não é representada como uma realidade concreta, mas como reflexo atemporal daquele nada, daquela transcendência que — não existindo — deve determinar toda a existência.”8

O aparente brilho da análise lukacsiana — que retomava as idéias sobre a alegoria desenvolvidas por Benjamin nos anos 1920 e, desse modo, emprestava um caráter mais sofisticado à sua já antiga condenação sumaria da arte de vanguarda —9 não deve ocultar sua essencial inadequação. Embora com sinal avaliativo invertido, o que Lukács escrevia em 1957 sobre Kafka era também “existencialismo”. Decerto, a interpretação “existencialista”, como veremos no capítulo III, dá conta de parte das produções kafkianas, em particular do romance inacabado O desaparecido (ou América) e de muitos relatos curtos construídos explicitamente como parábolas alegóricas. Mas tal interpretação deixa de lado, por insuficiência ou mesmo por deformação, aquilo que de mais significativo e duradouro foi criado pelo autor de O processo. Em minha opinião, a linha de demarcação entre alegoria e símbolo — tão bem traçada por Lukács em nivel teórico — passa no interior da obra de Kafka e, de modo mais geral, no interior daquilo que o filósofo húngaro chama de “modernismo” ou (como nas línguas neolatinas) “vanguardismo”. Deve-se observar que Lukács, em algumas passagens de escritos posteriores a Realismo crítico hoje, formulou juízos sobre Kafka (assim como o já mencionado sobre Proust) que alteravam objetivamente os formulados em 1957. Todavia, na medida em que ele jamais voltou a tratar sistemáticamente (como fizera em 1957) da obra do autor tcheco, esses juízos fragmentários — ainda que por vezes iluminadores — não podem, por seu caráter tópico, elevar-se a uma nova avaliação global que funcione efetivamente como uma autocrítica.10

3.

Durante algum tempo, estive convencido de que Lukács cometera certamente um “erro de avaliação”, que envolvia Proust e Kafka, mas que tal erro não alterava a justeza essencial de sua teoria sobre a arte e a literatura do século XX.11 Não concordo mais com essa visão simplista, embora recuse igualmente o simplismo oposto, que consistiría em manter a alternativa formulada por Lukács mas com sinal trocado, ou seja, optando por Kafka (pela vanguarda) contra Thomas Mann (contra o realismo).12 São precisamente estas alternativas radicáis que devem ser postas em questão, como tentarei demonstrar em seguida.

O que eu considerava “erros de avaliação” localizados me parecem hoje o índice de certas conexões problemáticas na própria teoria lukacsiana da literatura do século XX, que decorrem em última instancia da concepção geral de Lukács acerca da evolução histórica posterior à Revolução de Outubro de 1917. Desde sua adesão ao marxismo (ocorrida em 1918) até pelo menos meados dos anos 1920, Lukács — como tantos outros comunistas — esteve firmemente convencido de que a época histórica inaugurada pela revolução bolchevique se caracterizava pelo que ele chamou de “atualidade da revolução”, ou seja, pelo fato de que estaría em curso uma rápida expansão aos países ocidentais da revolução socialista concebida segundo o modelo bolchevique. Como se sabe, foi sob a égide desta convicção que Lukács escreveu seus primeiros escritos marxistas.13 Contudo, já no final dos anos 1920, quando havia se tornado evidente o refluxo da onda revolucionária iniciada em 1917, Lukács elaborou uma nova avaliação do presente, cuja primeira expressão aparece em suas Teses de Blum.14 Esta avaliação — que se apoiava essencialmente, como veremos, em dois pressupostos, um bastante problemático e outro inteiramente falso — se manteria pelo menos até meados dos anos 1960, quando o pensador húngaro esboça algumas tardias e quase sempre tímidas tentativas de revisão de suas antigas posições.

O primeiro dos pressupostos a que aludi era a idéia de que uma aliança entre o socialismo e a democracia radical — a grande herança do “período heroico” da burguesia — seria o melhor antídoto contra as tendências reacionárias e fascistas que o capitalismo vinha gestando como resposta à revolução russa. Tal aliança se expressaria, no terreno da ideologia e da arte, por meio de uma aproximação entre os intelectuais burgueses progressistas e os intelectuais socialistas, com base, respectivamente, na defesa da razão e da arte realista. A aliança militar entre as “democracias” ocidentais e a “pátria do socialismo”, ocorrida na luta comum contra o nazifascismo durante a Segunda Guerra Mundial, parecia confirmar plenamente essa idéia, que Lukács partilhou então com a maioria do movimento comunista. Não me parece casual que tenha sido no período das frentes populares — que buscaram e muitas vezes conseguiram criar esta aliança já antes da guerra — que Lukács redigiu algumas de suas principáis obras, não só os belíssimos ensaios sobre o realismo do século XIX (Balzac, Stendhal, Dostoievski, Tolstoi, etc.), mas também as excepcionais monografias sobre O romance histórico e sobre O jovem Hegel, nas quais ele busca precisamente valorizar o legado humanista da burguesia, respectivamente nos terrenos da arte e da filosofia.15

De resto, a enfática defesa desta aliança entre democracia e socialismo permitiu a Lukács evitar o dogmatismo sectario que colocava uma muralha chinesa entre a herança da cultura burguesa (considerada em bloco como reacionária) e uma pretensa cultura socialista “radicalmente nova”. Com isso, ele pôde elaborar uma política cultural relativamente aberta, centrada na valorização da herança democrática que se expressaria no realismo crítico e na defesa da razão, política que se distinguia radicalmente do sectarismo dominante na época de Stalin e mesmo depois dela.16

Não se trata de contestar a validade deste projeto estratégico. É indubitável que Lukács percebeu a problemática essencial do período que se inicia com o refluxo da onda revolucionária iniciada em 1917, ou seja, a necessidade de encontrar um novo modo de articulação entre democracia e socialismo.17 No terreno dos princípios, este projeto era válido não apenas nos anos 1930 e no segundo após-guerra, mas continua a sê-lo — mutatis mutandis — ainda hoje. O que o tornou problemático foram as novas condições geradas precisamente neste segundo após-guerra, quando se tornou evidente que ele não mais poderia ser realizado nos termos em que fora formulado na época das frentes populares. Lukács, contudo, continuou a insistir em sua exeqüibilidade, o que o fez assumir um ponto de vista fortemente “otimista”, cada vez mais negado pelos fatos.

Este “otimismo” transparece em vários escritos lukacsianos imediatamente sucessivos ao fim da guerra. Assim, por exemplo, numa conferência pronunciada em 1946, em um encontro do qual participaram importantes intelectuais da Europa Ocidental, Lukács afirmou com ênfase que estava ocorrendo naquele momento “o começo de um restabelecimento da aliança entre a democracia e o socialismo”.18 Ora, na verdade, o que estava então para se iniciar não era tal aliança, mas sim a “guerra fria”, que consolidaria nos dois lados do mundo um poderoso déficit tanto de democracia quanto de socialismo. O segundo após-guerra, portanto, impôs cada vez mais a necessidade de rever alguns dos conceitos implícitos na estratégia das frentes populares, o que Lukács não quis ou não pôde fazer. Com efeito, tornou-se então evidente que a contradição no seio do mundo burguês não se dava apenas entre a herança da democracia radical e a aberta reação fascista ou belicista, mas também — e agora talvez sobretudo — entre esta herança democrática (cada vez mais fragilizada) e a irrupção de novas formas de dominação e de alienação que já se apresentavam (e iriam se apresentar cada vez mais) sob a cobertura de regimes formalmente democráticos.19

4.

Se esse primeiro pressuposto da visão lukacsiana do presente tornou-se problemático pelas razões apontadas, o segundo revelou-se inteiramente falso: Lukács estava firmemente convencido de que a União Soviética dos anos 1930 e seguintes na qual ele julgava já se ter realizado a transição para o socialismo, ou seja, para uma etapa superior da humanidade continuava a ser um farol seguro e não problemático a indicar o caminho do futuro aos pensadores e artistas que se mantivessem fiéis à herança democrática. Ora, ao contrário do que Lukács supunha, a URSS — que, já em 1932, Gramsci dizia estar dominada pela “estatolatria” — estava longe de se apresentar como expressão de uma humanidade emancipada: a regressão stalinista (iniciada no final dos anos 1920) minimizou, terminando mesmo por extinguir, o fascínio que a Revolução de Outubro certamente exerceu por algum tempo sobre os intelectuais e artistas ocidentais, inclusive sobre muitos daqueles que Lukács considerava “vanguardistas”. De ambos os lados do mundo, portanto, cresceram novas formas — mais sofisticadas porém não menos inumanas — de alienação e de manipulação burocrática da vida. A aliança entre democracia e socialismo, nos moldes em que Lukács a imaginava, não se cumpriu, por escassez tanto de democracia como de socialismo.

Cabe ainda lembrar que somente depois de 1956, ou seja, depois das denúncias dos crimes de Stalin no XX Congresso do PCUS, é que Lukács começou a tomar publicamente distância — e, mesmo assim, quase sempre timidamente — em face das formas sociais e políticas dominantes não só na ex-União Soviética, mas também nos demais países do chamado “socialismo real”, surgidos no segundo após-guerra. Em ambos os casos, a projetada aliança de democracia e socialismo era patentemente desmentida pelos fatos. Esta tomada de distância assume talvez seu ponto mais alto num pequeño livro escrito em 1968, no qual, apesar de indiscutíveis avanços, as formulações do pensador húngaro me parecem ainda insuficientes.20 Neste livro, com efeito, Lukács considera que as deformações do “socialismo real” — que são agora claramente identificadas na ausência de democracia, em particular do que ele chama de “democracia da vida cotidiana” — poderiam ser resolvidas com um simplista e utópico “retorno a Lenin”, a cujo pensamento, diga-se de passagem, Lukács se manteve fanaticamente fiel até o fim da vida. Além disso, as duras críticas contidas neste livro não anulam o fato de que Lukács, malgrado tudo, continuou a se identificar até o fim com o “socialismo real”, como se pôde constatar numa enfática afirmação que ele repetiu reiteradamente em muitas de suas últimas entrevistas: “Do meu ponto de vista, mesmo o pior socialismo é preferível ao melhor capitalismo. Estou profundamente convencido disso e vivi todo este tempo com tal convicção”.21

Por tudo isso, parece-me assim no mínimo problemática a afirmação do pensador húngaro, feita em 1957, de que um dos pontos de discriminação entre o realismo crítico e a “vanguarda” seria a diversa atitude destas duas correntes artísticas em face de uma perspectiva socialista. Para Lukács, o realista crítico “não precisa situar-se no terreno do socialismo, mas basta que o socialismo não seja eliminado a priori dos seus interesses de homem e de artista, que o socialismo não se choque com uma previa recusa do escritor; caso contrário, este escritor privar-se-ia de toda visão orientada para o futuro”.22 Quando se refere à vanguarda, ao contrário, Lukács sente-se “no direito de denunciar, como traço real por trás do cinismo e do niilismo, por trás do desespero e da angústia mais mistificados, a recusa do socialismo”.23 Antes de mais nada, caberia perguntar: mas de que socialismo se trata? Se lembrarmos os traços concretos assumidos pelo chamado “socialismo real”, o único efetivamente existente — que se caracterizava, mesmo depois de Stalin, pela presença de novas formas de alienação e de manipulação burocrática, quando não mesmo pela permanência do uso aberto do terrorismo de Estado —, poderíamos objetar a Lukács que a “recusa do socialismo” nem sempre foi injustificada, nem sempre foi expressão de “cinismo” e de “mistificação”.

Certamente, Lukács tem razão quando afirma que uma perspectiva artística realista deve tomar distância em relação ao presente, ou seja, deve considerar que a realidade da alienação e da manipulação não constitui a condição eterna da vida humana. Mas essa distância pôde não apenas assumir a forma de uma recusa do “socialismo realmente existente” (como ocorre, por exemplo, nos primeiros escritos de Soljenitsin), mas também se fundar numa perspectiva crítica não necessariamente baseada numa abertura para o socialismo em geral (como é o caso, entre outras, da notável obra, de William Styron). A contraposição ao mundo alienado do capitalismo atual de certos valores gerados na época revolucionária da burguesia, como é o caso da luta pela realização da autonomia do indivíduo, pôde funcionar como meio de crítica historicista à aniquilação do indivíduo no presente burocratizado e reificado. Caberia mesmo examinar até que ponto uma perspectiva anticapitalista romântica — que Lukács define univocamente como reacionária — pôde servir de base a construçõs artísticas realistas.

Este novo “estado geral do mundo”, para usarmos uma expressão hegeliana, fez com que um certo pessimismo em face do futuro da humanidade não só encontrasse ampia difusão, mas também se tornasse relativamente justificado. Essa nova modalidade de “consciência infeliz”, para continuarmos com a terminologia de Hegel, era uma “figura do espírito” cuja validade relativa não podia ser prevista no itinerário otimista da “fenomenologia” lukacsiana do presente.24 Uma tal consciência pessimista não era apenas, como parecía supor Lukács, expressão da “decadência”, ou seja, mera resposta reacionária ou desesperada em face das tendências históricas predominantes, as quais, na opinião do filósofo húngaro, apontavam necessariamente para o socialismo — e um socialismo que ele identificava com sua caricatura vigente na União Soviética e nos demais países de modelo soviético. Este pessimismo assinalava também, pelo menos em seus melhores representantes, um justo sentimento de indignação em face do endurecimento burocrático promovido pelo novo capitalismo monopolista, inclusive em suas formas pseudodemocráticas, endurecimento diante do qual o “socialismo realmente existente” estava longe de aparecer como uma alternativa válida. Não foram assim poucos os pensadores e artistas progressistas — alguns abertamente de esquerda — que, com justificadas razões, negaram-se a aceitar a idéia de que “o pior socialismo é preferível ao melhor capitalismo”.

Decerto, a relativa justificação desse pessimismo não anula o fato de que ele frequëntemente expressa uma forma de “falsa consciência”, precisamente na medida em que muitas vezes se coagula na aparente insolubilidade das contradições do período e não é capaz de adotar diante délas um distanciamento crítico. Como Lukács viu corretamente, ainda que com alguns excessos, esta “falsa consciência” pessimista é deletéria no caso da reflexão filosófica, cujo objetivo é precisamente a descoberta das mediações e sua conceituação universalizadora.25 Na arte e na literatura, contudo, as coisas podem se dar diversamente, já que estas últimas têm como meta a figuração de uma particularidade concreta.26

É certo que, em muitas criações artísticas do período — como Lukács apontou corretamente —, as contradições sociais foram transpostas numa abstração falsamente “ontológica”, ou seja, em exemplos de uma pretensa insensatez da realidade enquanto tal, recebendo assim uma configuração formal alegórica e, como tal, anti-realista. Contudo, houve também artistas e escritores de vanguarda — o que Lukács freqüentemente ignorou — que, mesmo sem superarem sua “consciência infeliz” e seu pessimismo, foram capazes de plasmar tais contradições em sua figura social-concreta, apresentando a sua aparente insolubilidade como condição contraria à essência do homem e criando assim autênticos símbolos realistas que expressavam os impasses concretos do homem contemporâneo. Com isso, foram capazes de denunciar esteticamente em suas obras os mitos ideológicos (a “segurança”, o “bem-estar”, o “fim dos conflitos”, etc.) através dos quais se tentou e ainda se tenta legitimar as manifestações aparentemente “democráticas” do capitalismo tardio. Este modo simbólico-realista de expressar artísticamente a “consciência infeliz” contemporânea deu lugar a obras particularmente bem realizadas no terreno da lírica, onde a subjetividade como fator estruturante dispensa claramente a figuração da totalidade. Este me parece ser o caso, por exemplo, de poetas como T. S. Eliot e Rilke (que Lukács avaliava de modo negativo), mas também de outros que ele não conheceu, como Fernando Pessoa e Carlos Drummond de Andrade. E essa possibilidade se apresenta também no caso da arte narrativa, particularmente da novela, como veremos ao examinar mais de perto a obra de Franz Kafka.

5.

Durante os anos 1930 e 1940, como vimos, foi possível a Lukács defender, com relativo apoio nos fatos, sua perspectiva “otimista” de uma aliança estratégica entre a democracia (que ele sempre teve a lucidez de distinguir do liberalismo) e o socialismo realmente existente. Contudo, com a derrota militar do nazifascismo e a imediata eclosão da guerra fria (que pôs por térra as ilusões de uma convergência duradoura entre as “democracias” ocidentais e o “socialismo” de tipo soviético), esta perspectiva “otimista” perdeu seus vínculos com os fatos, convertendo-se em nada mais do que generosa utopia.

Malgrado isso, nos anos 1950 e no inicio dos 1960 — e, em particular, em Realismo crítico hoje —, Lukács continuou a insistir na necessidade desta aliança, que se expressaria artísticamente na convergência entre realismo crítico e “realismo socialista”, isto é, na comum oposição de ambos ao vanguardismo.27 Mas, enquanto ñas décadas de 1930 e 1940 a base política e ideológica de tal aliança era a concreta frente antifascista, que crescera a partir da própria realidade, esta base é agora apontada por Lukács no chamado “Movimento dos Partidarios da Paz”, uma iniciativa soviética de pouquíssimo impacto entre os intelectuais e artistas ocidentais.28 Se a proposta de articular a polaridade entre fascismo e antifascismo com aquela entre irracionalismo e defesa da razão, ou até mesmo entre vanguarda e realismo, podia aparecer (ainda que muitas vezes forgadamente, sobretudo no segundo caso) como parcialmente justificada no período situado entre os anos 1920 e 1940,29 tornava-se agora impossível — sem cometer uma clara violência contra os fatos — colocar a vanguarda ao lado dos que defendiam a guerra ou a julgavam inevitável e o realismo ao lado dos defensores da paz. Mas é precisamente isso o que faz Lukács em 1957: “O nosso fenômeno de base, portanto, é essa convergência de dois pares de elementos contrastantes: por um lado, realismo ou anti-realismo (vanguardismo, decadência); por outro, luta pela paz ou guerra.”30 Basta, entre muitos outros, o expressivo exemplo de Picasso — o criador de Guernica — para demonstrar a falsidade desta correlação.

A angústia dissolutora que Lukács percebe corretamente em autores como Beckett não se liga somente ao temor de uma hecatombe bélica considerada como inevitável, mas reflete também o horror e a desorientação de “consciências infelizes” (coaguladas fetichisticamente nesta infelicidade) diante das formas vitáis assumidas tanto pelo capitalismo monopolista como pelo “socialismo” burocrático. Lukács está certo ao indicar que Beckett e muitos outros escritores e artistas do século XX constroem suas obras numa forma alegórica, ou seja, transformando experiências vitais históricamente concretas da alienação capitalista ou “socialista” em “condição eterna do homem”. Mas, quando ele afirma que “o nada de Beckett é um mero jogo com abismos ficticios, aos quais não mais corresponde algo de essencial na realidade histórica […]”,31 provavelmente porque o perigo da guerra teria sido superado gragas à ação dos “partidarios da paz”, certamente não faz jus nem à sua aguda inteligência nem ao seu espírito crítico.

Por outro lado, não deverá ter escapado ao leitor de Realismo crítico hoje a dificuldade em que se encontrava Lukács para apontar exemplos contemporâneos de um grande realismo crítico nos moldes em que ele o concebía na época. Thomas Mann, morto em 1955, aparece como um gigante isolado (incidentalmente são citados como realistas Federico García Lorca, Sinclair Lewis, Alberto Moravia e pouquíssimos outros), enquanto na outra margem “vanguardista” do rio se situava, junto com Kafka, a grande maioria dos escritores realmente significativos do século XX. Subsumindo ao conceito de alegoría a totalidade da chamada “vanguarda”, Lukács impedia-se de realizar a única operação capaz não só de salvar a justeza essencial de sua teoria estética e de sua poética realista, mas também, como conseqüência, de lhe permitir uma compreensão mais adequada da arte e da literatura do século XX. Esta necessária operação, a meu ver, consistiría num reexame da produção da vanguarda à luz das novas experiencias históricas acima aludidas e, desse modo, numa distinção — no seio desta produção — entre os autores que, por um lado, apontavam no sentido de uma nova floração do realismo crítico (evidentemente transformado em suas estruturas formais por causa do novo “estado geral do mundo”) e, por outro, aqueles que, “ontologizando” os impasses da época, adotavam efetivamente a alegoría como base formal e ideológica da configuração estética do real.

6.

Contudo, seria um equívoco reduzir apenas a essa avaliação problemática do presente as razões dos limites contidos em Realismo crítico hoje, limites que o próprio Lukács reconheceu no fim da vida.32 Essa avaliação problemática se traduz também numa questão de método, cuja elucidação poderá ajudar o leitor a avaliar melhor o objetivo prioritário deste livro, que consiste precisamente em analisar Proust e Kafka à luz das teorías estético-filosóficas de Lukács, mas em contradição com muitas de suas observações concretas sobre estes dois autores e em parcial discordancia com sua análise das alternativas da literatura no mundo contemporâneo.

Uma leitura atenta de Realismo crítico hoje revela que nele Lukács se afasta, em aspectos essenciais, do método estético-crítico que ele mesmo formulou em suas obras teóricas da maturidade e que aplicou com sucesso na maioria de suas análises concretas de períodos e autores singulares, em particular dos romancistas do século XIX. Façamos um rápido paralelo entre Realismo crítico hoje e O romance histórico. Nessa última obra, escrita em 1936-37 — ou seja, em plena época das frentes populares e da luta antifascista —, a preocupação essencial de Lukács consiste em mostrar como uma determinada constelação histórica objetiva, gerada pela Revolução Francesa e pelas guerras napoleónicas, obrigou o romance a renovar sua forma, no sentido de introduzir a historicidade concreta como elemento determinante na caracterização literária dos personagens e das situações. Esse movimento de renovação formal, que tem seu inicio em Walter Scott e se explícita no grande realismo do século XIX (que, como diz Lukács, aprendeu a “tratar o presente como história”33), é apresentado como a reposição estética de concretos pressupostos histórico-sociais, um processo que o pensador húngaro analisa tanto pelo ângulo da gênese quanto por aquele do resultado artístico-formal. O romance histórico, sobretudo em seus tres primeiros capítulos — entre os quais se destaca a belíssima digressão sobre o romance e o drama enquanto estruturas formais que refletem constelações histórico-universais da vida humana, digressão que é certamente a maior contribuição de Lukács a uma teoría marxista dos gêneros literários34 —, aparece assim como um paradigma, talvez o mais alto na obra lukacsiana, de aplicação criadora do método histórico-sistemático no terreno da literatura. Trata-se precisamente de um método que articula orgánicamente as determinações histórico-sociais com as determinações estruturais imanentes (no caso, as determinações estéticas) das objetivações humanas. Faz parte deste método a utilização por Lukács, não só em O romance histórico
mas também na maior parte de sua obra, da fecunda categoría engelsiana da “vitória do realismo”:35 essa renovação formal do romance, essa capacidade de narrar o presente como história, entra freqüentemente em contradição com a concepção do mundo explicitamente professada pelos romancistas da época, como ocorre sobretudo no caso dos conservadores Walter Scott e Balzac.

Realismo crítico hoje funda-se numa diferente abordagem metodológica. Em vez de partir de uma análise da sociedade contemporânea — ou seja, das transformações sofridas pelo capitalismo em sua etapa monopolista e da involução “estatolátrica” da União Soviética stalinista e pós-stalinista —, Lukács toma como pressuposto de sua investigação o que ele chama de “concepção do mundo subjacente à vanguarda”.36 Tal concepção, que se identificaria essencialmente com aquela formulada em nível teórico pelas várias filosofias irracionalistas, teria seu núcleo central na afirmação de que o homem é um ser ontologicamente solitário, afirmação que se choca frontalmente com a velha noção aristotélica de que o homem, ao contrário, é um “animal social”. Além disso, esta concepção vanguardista se caracterizaria por asseverar que o mundo real não tem um sentido imanente, que tal sentido só poderia provir de uma transcendência que na verdade não existe e que, portanto, se identificaria com o nada. Num processo abstrativo pouco dialético, já que não se apresenta como etapa inicial de uma elevação ao concreto, Lukács subsume sob essa concepção do mundo a totalidade dos autores de vanguarda, em particular Proust e Kafka, afirmando que suas obras não passariam de ilustrações alegóricas deste “nada”.

Em Realismo crítico hoje, portanto, não se trata de deduzir dialeticamente as características formais das obras analisadas a partir das determinações histórico-sociais do seu hic et nunc, como ocorre em O romance histórico, mas de demonstrar que tais obras são ilustração alegórica de uma visão do mundo anterior e transcendente ao produto artístico. Mais grave ainda: para tal demonstração, Lukács não recorre a uma análise imanente, estético-formal, dos autores de vanguarda, através da qual se evidenciasse que a concepção do mundo imanente às suas obras é efetivamente similar áquela visão irracionalista que eles ilustrariam alegóricamente.37 O que ele chama de “concepção subjacente à vanguarda” é definida em termos filosóficos gerais, de modo apriorístico em relação à obra concreta dos escritores; e, quando a produção de tais autores é chamada a corroborar a suposta adesão deles a tal concepção, Lukács freqüentemente se vale de suas declarações conceituais, expostas em ensaios teóricos, cartas, diarios, etc., ou mesmo, como no caso de T. S. Eliot, a fragmentos de poemas que, enquanto fragmentos, tornam-se puramente descritivos e não são capazes de evidenciar com que pathos emocional o ego lírico do poeta norte-americano vivencia na criação poética os eventos que descreve. Portanto, Lukács não parte dos autores para determinar a concepção do mundo que eles expressam em suas obras específicamente estéticas, mas comega por expor os traços gerais abstratos desta suposta concepção “vanguardista”, e só num segundo momento busca subsumir a eia os autores de que trata, em particular Kafka. É evidente que este procedimento lhe facilita defender sua tese, afirmada repetidas vezes ao longo do livro, segundo a qual os autores de vanguarda apenas ilustrariam alegóricamente esta abstrata concepção irracionalista do mundo.

Procedendo desse modo, Lukács abandona o emprego de seu próprio método histórico-sistemático, ou genético-estético, impedindo-se ao mesmo tempo de utilizar a fecunda categoria da “vitória do realismo”, que seria particularmente operatoria — como veremos — nos casos de Proust e, sobretudo, de Kafka. Se, como Lukács diz em Realismo crítico hoje, é “a imagem do mundo que deve ser representada na obra”, ou se o esforço do artista passa a ser o de “reproduzir adecuadamente, com meios poéticos, essa visão do mundo”,38 então desaparece o conceito básico da poética lukacsiana, ou seja, o de que a arte é representação mimética da realidade histórico-social objetiva e não expressão direta da visão do mundo do artista. Em conseqüência, desaparece a possibilidade do cotejo entre a objetivação estética e o mundo histórico-social que lhe serve de pressuposto, cotejo que está na base do mencionado conceito de “vitória do realismo”.

O exemplo maior deste equívoco metodológico transparece precisamente na análise de Kafka. Se, em vez de subsumir o autor tcheco a uma concepção do mundo irracionalista, Lukács tivesse buscado efetuar uma análise imanente de sua obra, certamente veria que a “imagem da sociedade capitalista com cor local austríaca”, que para ele é apenas o substrato inessencial de uma fuga na transcendência alegórica, contém na verdade uma reposição estética das conseqüências humanas mais profundas das novas modalidades de alienação geradas pelo capitalismo em sua fase monopolista.39 O método que o filósofo húngaro utiliza em Realismo crítico hoje está mais próximo do método de Lucien Goldmann (que vê a obra de arte como expressão direta de uma “visão do mundo”)40 do que do método teorizado e aplicado em outros inúmeros casos pelo próprio Lukács (o que concebe a arte como representação mimético-evocativa da realidade). A adoção deste “novo” método prejudica boa parte das análises contidas em Realismo crítico hoje, impedindo Lukács até mesmo de utilizar com maior profundidade (como viria a fazê-lo na Estética de 1963) o conceito benjaminiano de alegoria.

7.

O emprego deste “novo” método — ou, se preferirmos, o temporário abandono do autêntico método histórico-sistemático por ele mesmo elaborado — não permitiu que Lukács aplicasse adequadamente à literatura contemporânea uma de suas mais brilhantes teses, ou seja, a de que “a obra de arte autêntica (e somente essa pôde se tornar a base de uma fecunda universalização histórica ou estética) satisfaz as leis estéticas apenas na medida em que, ao mesmo tempo, as amplia e aprofunda”.41 De que modo, na verdade, se daria essa ampliação e esse aprofundamento na literatura do século XX? Durante os anos 1930 e 1940, Lukács subestimou esse problema, parecendo supor que o realismo de nosso tempo — pelo menos o realismo crítico ocidental — seria uma simples continuação formal do realismo do século XIX. Uma primeira tentativa de resposta, todavia, aparece já nos anos 1960, quando o pensador húngaro formula a idéia de que o realismo crítico é compatível com o uso de técnicas criadas pela vanguarda. Referindo-se a seus ensaios da década de 1930, num prefacio escrito em 1965 para uma reedição dos mesmos, Lukács comentou: “Naquele tempo, quando do primeiro choque (de certo modo) com o modernismo, a prioridade da inovação técnica foi radicalmente negada. Todavia, depois se tornou cada vez mais claro para mim, ao analisar artistas e obras particulares, que — embora essa inovação técnica enquanto principio de julgamento estético merecesse certamente uma total repulsa — certas inovações técnicas podiam se converter, enquanto reflexos de relações humanas realmente novas e independentemente das teorias e intenções de seus inventores e propagandistas, em elementos de figurações verdadeiramente realistas.”42

Graças a essa nova formulação, Lukács pôde não apenas avaliar melhor as produções da maturidade de Thomas Mann, mas também apresentar depois de 1957, ou seja, depois da redação de Realismo crítico hoje, sobretudo em muitas das numerosas entrevistas que concedeu no final de sua vida, uma aitude bem mais aberta diante da produção literária de autores mais recentes, como Jorge Semprun, Heinrich Böll, William Styron, Rolf Hochhutt, etc. Além disso, em algumas páginas acrescentadas em 1963 à edição em inglês de Realismo crítico hoje, Lukács apresenta também como autores realistas não só os norte-americanos Thomas Wolfe e Eugene O’Neill, mas também Elsa Morante e Bertolt Brecht.43 Sobre este último, aliás, cabe lembrar que, em 1945, Lukács ainda o considerava como um autor que “reduz a desejada renovação social da literatura a um experimento formal, certamente interessante e inteligente”; já em 1963, depois de conhecer as obras brechtianas mais tardias, em particular Os fuzis da Senhora Carrar e A vida de Galileu, ele afirma enfaticamente que “o Brecht da maturidade, superando suas anteriores teorias unilaterais [o ’efeito de distanciamento’], tornou-se o maior dramaturgo realista de sua época”.44

Mas esta idéia de que técnicas de vanguarda podem servir ao realismo era insuficiente, precisamente na medida em que não passava de uma solução de compromisso. Um esboço de resposta orgánica viria à luz somente em 1969, no belo ensaio que Lukács, dois anos antes da sua morte, dedicou aos primeiros romances de Alexander Soljenitsin, O primeiro círculo e O pavilhão dos cancerosos.45 Com um esforço teórico digno do maior respeito (Lukács atingira os 84 anos e estava empenhado, ao mesmo tempo, em resolver os complexos problemas teóricos surgidos quando da redação de sua grande obra da velhice, a Ontologia do ser social),46 o filósofo húngaro esboça, na primeira parte desse ensaio, as bases para uma reformulação de sua teoria da literatura contemporânea.

Esse ensaio de 1969 assinala, antes de mais nada, um retorno ao método histórico-sistemático que, como vimos, está na base da poética do realismo elaborada pelo Lukács da maturidade. Em vez de ver na narrativa realista de nosso tempo uma simples continuação formal das velhas tradições do século XIX (ainda que “atualizadas” pelo emprego de técnicas de vanguarda), Lukács indica o modo pelo qual os novos pressupostos sociais e ideológicos do capitalismo tardio conduziram a uma modificação formal da estrutura romanesca, cujo centro não mais seria, como no romance tradicional, a figuração de uma “totalidade de objetos” — segundo a formulação hegeliana recolhida por Lukács —,47 mas a de uma “totalidade de reações”. Lukács observa que “a inovação reside no fato de que a unidade de lugar torna-se o fundamento imediato da composição”, graças à criação de uma especie de “teatro social” que agrupa homens diversos e os obriga a definições que eles não tomariam normalmente em sua vida cotidiana. E o filósofo húngaro continua: “Esse ’teatro’ aparece, portanto, como o desencadeador efetivo e imediato de problemas ideológicos existentes por toda parte em estado latente, mas dos quais só se toma consciência, em sua totalidade contraditória, precisamente neste lugar. […] Desapareceu a necessidade de uma fábula épica homogénea. […] Porém, malgrado a ausência de fábula homogénea, e mesmo em conseqüência dessa ausência, reina uma excepcional intensidade de emoção épica, uma dramática interna. […] Relações épicas coerentes podem nascer de cenas particulares de natureza dramática, mas desprovidas aparentemente de laços internos entre si. E essas relações podem igualmente se ordenar numa totalidade de reações a um vasto complexo de problemas de natureza épica”.48

Lukács não viveu o suficiente para extrair todas as conseqüências desta sua nova formulação, o que teria implicado certamente a reavaliação de boa parte dos seus juízos sobre a literatura do século XX. De qualquer modo, tal reavaliação ocorreu efetivamente em alguns casos concretos, mesmo diante de autores que Lukács já avaliara anteriormente de modo positivo. Neste sentido, dois exemplos são particularmente significativos. Um autor como Thomas Mann, por exemplo, não mais lhe aparece — pelo menos a partir de A montanha mágica — como um continuador da narrativa tradicional, mas, ao contrário, como iniciador da nova forma do romance centrada na “totalidade de reações”; Lukács não hesita mesmo em chamá-lo de “inovador formal”.49 Também o Poema pedagógico do soviético Antón Makarenko deixa de ser visto como precursor da “epopéia socialista” (numa época em que Lukács ainda enxergava “elementos de comunismo” na URSS dos anos 1920)50 e passa a ser tratado como um romance, mas também construido tendo como eixo a “totalidade de reações”. Por outro lado, muitas productes literárias até então condenadas como vanguardistas aparecem agora como exemplos realistas da nova forma romanesca (o caso mais vistoso, mencionado pelo proprio Lukács, é o do romance O homem sem qualidades de Robert Musil)51. E, além disso, a descoberta desse novo tipo de figuração romanesca permite a Lukács explicar de modo mais adequado alguns autores que ele antes considerava como híbridos (ou seja, como realistas clássicos que empregavam técnicas de vanguarda); é o caso, sobretudo, de Heinrich Böll. Esse texto tardío de Lukács, apesar de seu caráter mais indicativo do que sistemático, abre um vasto campo para novas pesquisas e, antes de mais nada, para uma reavaliação das próprias posições lukacsianas diante da literatura de nosso tempo. Não posso fazer aqui mais do que chamar a atenção para a sua importância.

As análises de Proust e de Kafka que empreenderei em seguida orientam-se em duas direções convergentes: por um lado, visam a avaliar estes autores à luz do método histórico-sistemático elaborado por Lukács, mas abandonado por ele em Realismo crítico hoje; e, por outro, como conseqüência, tentam dar uma forma relativamente sistemática às indicações fornecidas pelo filósofo em seus últimos anos de vida, não só em referência direta a produção destes dois autores, mas também no que diz respeito aos problemas histórico-sistemáticos da literatura do século XX como um todo. Muitas de minhas formulações — e, em particular, a que considera Kafka um precursor novelístico da nova forma de romance centrada na “totalidade de reações” e não mais na “totalidade dos objetos” — não se encontram nos textos de Lukács, nem mesmo depois do que eu considero como suas últimas “autocríticas” no campo literário.52 Mas estou convencido de que, em última instância, minha pesquisa pode ser considerada “ortodoxamente” lukacsiana, se considerarmos o conceito de “ortodoxia” precisamente no sentido que o próprio Lukács lhe atribuiu, ou seja, no sentido da fidelidade ao método e não necessariamente às afirmações particulares concretas de um autor.53 Creio que esse fato — o desafio de tentar compreender à luz de Lukács dois autores que o próprio Lukács não compreendeu adequadamente — justifica, pelo menos subjetivamente, que eu acrescente um novo título à já ciclópica bibliografia sobre Proust e Kafka.

1 J. Rivière, “Marcel Proust et la tradition classique” [1920], in Vários autores, Les critiques de notre temps et Proust, Paris, Garnier, 1971, p. 25-31.

2Theodor W. Adorno, “Anotações sobre Kafka”, in Id., Prismas. Crítica cultural e sociedade, São Paulo, Ática, 2001, p. 239.

3W. Benjamin, “Franz Kafka. A propósito do décimo aniversario de sua morte”, in Id., Obras escolhidas, São Paulo, Brasiliense, vol. 1, 1985, p. 152.

4G. Lukács, Estetica, Turim, Einaudi, 1970, 2 vols., p. 745-747 e 749. A edição alemã original é de 1963.

5G. Lukács, La distruzione della ragione, Turim, Einaudi, 1959 (ed. alemã original, 1953), p. 24; Id., Realismo crítico hoje, Brasília, Coordenada, 1969, p. 63. Neste segundo livro, partindo de uma citação de Benjamin, Lukács chega mesmo a dizer que Proust radicalizou ainda mais o subjetivismo irracionalista de Bergson: “Mas, enquanto em Bergson, sob a abstração filosófica, existe a aparência — enganadora — de uma totalidade cósmica, em Proust, ao contrário […], esta concepção do tempo é levada às suas extremas conseqüências, de modo que não resta nenhum vestígio de objetividade”.

6Stephen Spender, “Lukács: o homem sem idade”, in Cadernos brasileiros, ano VII, n° 1, 1965, p. 77-78. Trata-se da tradução para o português de “With Lukács in Budapest”, publicada em Encounter, dezembro de 1964.

7G. Lukács, Realismo crítico hoje, cit., p. 133. No prefácio a este livro, datado de abril de 1957, Lukács diz que comegou a redigilo no “outono de 1955”. Cabe lembrar que também Bertolt Brecht expressou um juízo negativo sobre Kafka. Embora tenha apontado corretamente a figuração antecipadora do “Estado-formigueiro” na obra kafkiana, Brecht afirma — em conversa com Walter Benjamin, em 1934 — que “ele [Kafka] não encontrou solução e não despertou do seu pesadelo”, que era “um espírito impreciso, quimérico” e que, portanto, devia “ser deixado de lado” (cf. W Benjamin, “Entretiens avec Brecht”, in Id., Essais sur Bertolt Brecht, Paris, Maspero, 1969, p. 132 e 135).

8G. Lukács, Realismo crítico hoje, cit., p. 73.

9Lukács voltaria a utilizar amplamente as teses de Benjamin, formuladas em Origem do drama barroco alemão (São Paulo, Brasiliense, 1984 [ed. original, 1928], p. 181 e ss.), no belo capítulo sobre “Alegoria e símbolo” da sua Estetica, cit., vol. 2, p. 1473-1516. Cabe observar, porém, que Kafka não é jamais citado nesse capítulo seminal, embora boa parte do mesmo trate da arte contemporânea. Pode-se ainda lembrar que Kafka tampouco aparece na obra que Lukács dedicou à história da literatura alemã (Breve storia della letteratura tedesca, Turim, Einaudi, 1956 [ed. original, 1945]), uma ausência que não pôde ser explicada pelo fato de Kafka não ser alemão, já que Lukács trata amplamente neste livro de um conterráneo de Kafka, o poeta tcheco — mas, como Kafka, de expressão alemã — Rainer Maria Rilke. Isso parece indicar que Lukács ainda não havia tomado conhecimento da obra de Kafka em 1945. Ao que eu saiba, a primeira menção do filósofo húngaro ao narrador tcheco aparece em La distruzione della ragione (cit., p. 792), no “epílogo” datado de Janeiro de 1953; neste epílogo — ainda que afirme não estar tratando do “valor estético” das obras, mas analisando-as apenas como “índice das correntes sociais” —, Lukács se permite o seguinte despropósito: “Hoje, as manifestações literárias paralelas à economia da apologética direta [do capitalismo] e à filosofia semântica são os representantes do desespero niilista, os Kafka ou os Camus”.

10Para tais juízos, cf. “Kafka na obra do último Lukács”, infra, Apêndices, 2, p. 215-219.

11 Cf., por exemplo, a “Introdução” que escrevi para a edição brasileira de Realismo crítico hoje, cit., p. 7-20.

12Também não concordo com a posição dos que subestimam a importância da categoria do realismo na análise das obras de arte, em particular daquela de Kafka. Uma posição deste tipo aparece em Michael Löwy, Franz Kafka: rêveur insoumis, Paris, Stock, 2004, onde há um capítulo intitulado ironicamente “Digression anecdotique: Kafka était-il réaliste?” (p. 149-159). Trata-se certamente de uma anedota (que Löwy repete) a atribuição a Lukács, quando esteve preso num castelo romeno após o esmagamento da rebelião húngara de 1956, da afirmação de que ele agora estaria convencido de que “Kafka era um realista”. É evidente que a questão do realismo em Kafka (e na arte em geral) não se esgota em anedotas deste tipo.

13Cf., em particular, G. Lukács, Scritti politici giovanili 1919-1928, Bari, Laterza, 1972, p. 3-174; là.,”Kommunismus1920-1921, Pádua, Marsilio, 1972; Id., História e consciência de classe [1923], São Paulo, Martins Fontes, 2004; Id., Lenin. Unità e coerenza del suo pensiero [1924], Turim, Einaudi, 1970. Para um balanço autocrítico deste período, cf. Id., “Prefácio” [1967] a História e consciência de classe, cit., p. 1-50.

14Trata-se do informe que Lukács apresentou, em 1928, a um congresso do clandestino PC húngaro, no quai antecipava idéias que, embora condenadas na época por seu partido e pela Internacional Comunista, seriam mais tarde retomadas por esta última na estratégia da “frente popular” (cf. G. Lukács, “Teses de Blum”, in Temas de ciências humanas, São Paulo, n° 7, 1980, p. 19-30).

15G. Lukács, Le roman historique [1936-1937], Paris, Payot, 1965; e Id., Il giovane Hegel e i problemi della società capitalistica [1938], Turim, Einaudi, 1960. Os principais ensaios de Lukács sobre o realismo do século XIX estão reunidos em Saggi sul realismo [1934-1943], Turim, Einaudi, 1950, mas também em Goethe et son époque [1934-1940], Paris, Nagel, 1949, e em Realisti tedeschi del XIX secolo [1935-1940], Milão, Feltrinelli, 1963.

16Entre os muitos textos que buscam mostrar as divergências entre a obra lukacsiana e o stalinismo, cf. sobretudo Nicolas Tertulian, “G. Lukács e o stalinismo”, in Praxis, Belo Horizonte, n° 2, setembro de 1994, p. 71-108.

17Não é aqui o local para tratar do assunto, mas me parece indiscutível que Gramsci foi além de Lukács na compreensão das novas tarefas teórico-políticas que se colocavam ao marxismo em conseqüência deste refluxo da onda revolucionária no Ocidente e da involução “estatolátrica” que o pensador italiano apontou na URSS staliniana. É nesse contexto que se inscreve a renovaçâo gramsciana da teoria marxista de Estado e revolução, uma renovação que inutilmente procuraríamos na obra de Lukács. Sobre isso, cf., entre outros, C. N. Coutinho, Gramsci. Um estudo sobre seu pensamento político, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003, sobretudo p. 119-164.

18Cf. G. Lukács, in O espírito europeu, Encontros Internacionais de Genebra [1946], Lisboa, Europa-América, 1962, p. 178. O texto desta conferência foi depois publicado com o título “A visão do mundo aristocrática e democrática” (cf., por exemplo, Lukács Gyòrgy, “Arisztrokratikus es Demokratikus Világnezet”, in Id., A polgári filozófia válsága, Budapeste, Hungária, s.d. [mas 1947], p. 107-128). Nesse Encontró, Lukács discute, entre outros, com Julien Benda, Georges Bernanos, Stephen Spender, Karl Jaspers e Maurice Merleau-Ponty.

19Também aqui Gramsci viu mais longe do que Lukács: em seus apontamentos carcerários, o revolucionario italiano previu — já no inicio dos anos 1930 — que o “americanismo” seria um novo modo de ser do capitalismo, dotado de uma expansividade e de uma capacidade de universalização bem maiores do que aquelas do fascismo (cf. A. Gramsci, Cadernos do carcere, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, vol. 4, 2001, p. 217-321). Trata-se de uma previsão que o mundo resultante da Segunda Guerra só fez confirmar.

20G. Lukács, L’uomo e la democrazia, Roma, Lucarini, 1987. Embora escrito em 1968, este pequeño livro — por imposição do PC húngaro, ao qual Lukács (depois de ter sido dele expulso logo após os eventos húngaros de 1956) retornara um ano antes — só foi publicado cerca de quinze anos depois da morte do filósofo, com o título Demokratisierung heute und morgen [Democratização hoje e amanhã], Budapeste, 1985.

21Cf., por exemplo, “En casa con György Lukács” [1968], in Id., Testamento político y otros escritos sobre politica y filosofia, Buenos Aires, Herramienta, 2003, p. 121. Os impasses e aporias que esta identificação entre socialismo e “socialismo realmente existente” (ainda que considerado “o pior socialismo”) provocou no pensamento político e mesmo teórico de Lukács, inclusive em seus escritos posteriores a 1956, foram quase sempre convincentemente analisados pelo seu ex-discípulo István Mészáros, Para além do capital, São Paulo-Campinas, Boitempo-Editora da Unicamp, 2002, sobretudo p. 469-514.

22G. Lukács, Realismo crítico hoje, cit., p. 97.

23Ibid., p. 102-103.

24Ainda que com unilateralismo oposto, este caráter relativamente justificado do pessimismo foi visto e analisado pelos integrantes da Escola de Frankfurt em sua fase “clássica” (Horkheimer, Adorno, Benjamin, Marcuse, etc.). O problema é que alguns deles, sobretudo os dois primeiros, terminaram por transformar este pessimismo relativamente justificado num imobilismo resignado diante do que chamavam de “mundo administrado”. Em outras palavras: não souberam seguir a recomendação de Gramsci no sentido de articular “pessimismo da inteligência” com “otimismo da vontade”.

25Cf. G. Lukács, La distruzione della ragione, cit., mas também Id., Existencialismo ou marxismo? [1948], São Paulo, Ciências Humanas, 1979.

26É esta, precisamente, a lição lukacsiana. Cf., por exemplo, G. Lukács, Introdução a uma estética marxista. Sobre a categoria da particularidade, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1970 [ed. italiana original, 1957]; e Id., Estetica, cit., vol. 2, sobretudo p. 984-1052.

27Embora criticasse duramente o esquematismo vigente em boa parte da literatura soviética, Lukács continuou a crer até o fim na possibilidade de um “realismo socialista”, cujas maiores expressões seriam, segundo ele, Gorki, Cholokhov e Makarenko (cf. Realismo critíco hoje, cit., p. 135-200).

28Sobre a importância atribuida pelo filósofo húngaro ao “Movimento dos Partidarios da Paz”, cf. G. Lukács, La distruzione della ragione, cit., p. 772 e ss.; e Id., Realismo crítico hoje, cit., p. 27-31. Para a permanência de ilusões sobre uma aliança entre “democracias” ocidentais e socialismo soviético, cf. — entre muitos outros textos e entrevistas do inicio dos anos 1960 — G. Lukács, “Problemi della coesistenza culturale” [1964], in Id., Marxismo e politica culturale, Turim, Einaudi, 1968, p. 163-186.

29Não se deve esquecer, por exemplo, a clara adesão dos principais futuristas italianos ao fascismo, as simpatias de alguns expressionistas alemães e de Ezra Pound pelo nazismo ou os vínculos entre o surrealista Salvador Dalí e o franquismo. No Brasil, os modernistas Menotti del Picchia e Plinio Salgado estiveram entre os criadores do integralismo, a versão tupiniquim do fascismo. Mas são pelo menos tão expressivos quanto estes os casos em que vanguardistas no terreno da arte aderiram a posições progressistas e mesmo revolucionárias no terreno da política: basta evocar aqui os casos de Maiakovski, dos surrealistas franceses, do primeiro Brecht ou de Pablo Picasso. E, também neste caso, cabe lembrar os brasileiros Mário e Oswald de Andrade.

30G. Lukács, Realismo crítico hoje, cit., p. 30.

31Cf. G. Lukács, Solschenitzyn, Neuwied e Berlim, Luchterhand, 1970, p. 27. Este pequeño livro conheceu uma imediata edição francesa (Soljénitsine, París, Gallimard, 1970).

32Cf. “Lukács a Coutinho”, 26 de fevereiro de 1968, infra, p. 211.

33G. Lukács, Le román historique, cit., p. 106.

34Ibid., p. 96-189.

35“Quanto mais as opiniões do autor permanecerem ocultas, tanto melhor para a obra de arte. O realismo a que me refiro deve se manifestar a despeito das opiniões dos autores. Permita-me dar um exemplo, o de Balzac, que eu considero um grande mestre do realismo, maior do que todos os Zolas passados, presentes e futuros […]. Balzac era politicamente legitimista; suas simpatias estão com a classe [a aristocracia] destinada à extinção […]. Que Balzac tenha sido obrigado a ir de encontró às suas próprias simpatias de classe e a seus preconceitos políticos; que ele tenha visto e necessidade do colapso dos aristocratas com os quais simpatizava e os tenha descrito como gente que não merecia um destino melhor; que ele tenha visto os verdadeiros homens do futuro no único lugar em que, naquela época, eles podiam ser vistos — eis o que considero uma das maiores vitórias do realismo e uma das maiores realizações do velho Balzac” (Engels a M. Harkness, abril de 1888, in K. Marx e F. Engels, Sobre el arte, Buenos Aires, Estudio, 1967, p. 41-42).

36G. Lukács, Realismo crítico hoje, cit., p. 33-75.

37Uma análise desse tipo, a meu ver, poderia confirmar a natureza alegórica e, como tal, anti-realista de alguns significativos autores de vanguarda, como, por exemplo, Beckett, Camus e o Joyce do Ulisses e do Finnegans Wake. No caso de Joyce, valeria um outro discurso para seu primeiro período, em particular para Dublinenses e O retrato do artista quando jovem.

38Lukács, Realismo crítico hoje, cit., p. 36. É certo que Lukács insiste em que seu interesse volta-se para a visão imanente à obra; mas o desdobramento da sua argumentação, como se pode facilmente comprovar (cf. p. 37, 44, 45, etc.), não confirma essa cautela metodológica.

39Lukács parece ter percebido isso em 1963, quando faz um paralelo entre Kafka e Swift. Cf. “Kafka na obra do último Lukács”, infra, Apêndices, 2, p. 218.

40Cf., em particular, L. Goldmann, Sociologia do romance, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1967, p. 7-28.

41Lukács, Estetica, cit., vol. 1, p. 579. O grifo é meu.

42G. Lukács, Marxismo e teoria da literatura, Rio de Janeiro, Civilizacao Brasileira, 1968, p. 5.

43Cf. G. Lukács, Realism in Our Time, Nova York, Harper Torshbook, 1971, p. 83-89, que reproduz Id., The Meaning of Contemporary Realism, Londres, Merlin, 1963. Estas páginas estão ausentes ñas edições italiana (Il significato attuale del realismo critico, Turim, Einaudi, 1957) e alemã (Wider den missverstandenen Realismuis [Contra o realismo mal compreendido], Hamburgo, Claassen, 1958), bem como na edição francesa (La signification présente du réalisme critique, Paris, Gallimard, 1960) que serviu de base para a edição brasileira que venho citando.

44Cf., respectivamente, G. Lukács, Breve storia della letteratura tedesca, cit., p. 212; e Id., Realism in Our Time, cit., p. 89.

45Cf. G. Lukács, “Solshenitzyns Romane”, in Id., Solschenitzyn, cit., p. 31-85.

46Alguns desses problemas — que levaram Lukács, em 1969, a abandonar o manuscrito já concluido e a empreender a redação de um novo texto — são historiados por Alberto Scarponi e Nicolas Tertulian em seus prefácios às edições italianas do primeiro e do segundo manuscritos (cf., respectivamente, G. Lukács, Per l’ontologia dell’essere sociale, Roma, Riuniti, 1976, vol. 1, p. VII-XV; e Id., Prolegomeni all’ontologia dell’essere sociale, Milão, Guerrini, 1990, p. IX-XXVII). É particularmente interessante o fato de que Lukács tenha chegado a pensar em escrever “O Capital do presente”, projeto que abandonou por causa da idade. Mas foi precisamente a descoberta, ainda que parcial e fragmentaria, das formas tardías do capitalismo monopolista (que, a partir da segunda metade dos anos 1960, ele designa repetidas vezes com o termo “capitalismo manipulatório”) que permitiu a Lukács empreender as “revisões” de sua concepção geral do marxismo (com a compreensão da necessidade de fundá-lo numa ontologia do ser social, em contraste com o irracionalismo e o epistemologismo neopositivista) e — o que aqui nos interessa mais de perto — de sua visão da literatura do século XX. Contudo, mesmo neste periodo derradeiro, permanecem limites na concepção lukacsiana do marxismo, como tentei mostrar sumariamente em C. N. Coutinho, “Lukács, a ontologia e a política”, in Id., Marxismo e política, São Paulo, Cortez, 1996, p. 143-160; e em L. Konder e C. N. Coutinho, “Presença de Lukács no Brasil”, in M. O. Pinassi e S. Lessa (orgs.), Lukács e a atualidade do marxismo, São Paulo, Boitempo, 2002, p. 157-183.

47G. W. F. Hegel, Estética, Lisboa, Guimarães, vol. VII: Poesia, 1964, p. 182 e ss. Quanto à apropriação crítica deste conceito hegeliano por parte de Lukács, cf. não só a segunda parte de Le roman historique, cit., mas também os ensaios “Rapport sur le roman” e “Le roman”, escritos também nos anos 1930, recolhidos em G. Lukács, Écrits de Moscou, Paris, Editions Sociales, 1974, p. 63-78 e 79-140.

48 G. Lukács, Solschenitzyn, cit., p. 34-35.

49Ibid.

50G. Lukács, “Makarenko, Il poema pedagogico” [1951], in Id., La letteratura sovietica, Roma, Riuniti, 1955, p. 169-233.

51G. Lukács, Solschenitzyn, cit., p. 36.

52Lukács, por exemplo, ainda que concorde com a importância do elemento novelístico na obra de Kafka, mencionando explícitamente A metamorfose, é contrário à avaliação positiva de O processo, que ele não considera uma novela. Cf. “Lukács a Coutinho”, 26 de fevereiro de 1968, infra, p. 211-212.

53G. Lukács, História e consciência de classe, cit., p. 64.

L’Ottobre e la letteratura

Nathan-Altman-The-Arch-of-the-General-Staff

Natan Altman. The Arch of the General Staff. 1918 di Nathan Altman (1889-1970, UKRAINE)

«Rinascita» n. 42, 27 ottobre 1967

Questo articolo è stato scritto dal grande filosofo marxista ungherese per la rivista di cultura cecoslovacca «Plamen», per gentile concessione della quale lo pubblichiamo contemporaneamente alla sua uscita a Praga.

1. La combinazione di questi due concetti molto raramente, in poche persone, suscita una immagine unitaria e conchiusa. Infatti l’incontestabile verità — astratta però rispetto all’esperienza immediata, — che oggi non può esserci uomo le cui fondamenta esistenziali e i cui modi di pensiero non siano determinati in maniera decisiva dall’Ottobre e dalle sue conseguenze, tale verità è difficilmente concretabile per i singoli appunto a causa di questa sua universalità. Inoltre le leggende sorte pro e contro creano oscurità sui fatti, insieme semplici ed estremamente complessi, delle grandi giornate rivoluzionarie ed anche sugli anni, importanti e ricchi di mutamenti, che di necessità ne uscirono. Cosicché, specialmente per chi non abbia vissuto di persona quei tempi, non è affatto facile aver concretamente chiara la connessione, pur razionalmente ammessa, con le questioni della vita d’oggi.

Se ora, io che sono stato contemporaneo — all’inizio osservatore da lontano, più tardi militante, se anche modesto, ma certo attivo — di questa svolta del mondo, cerco oggi di riassumerne nella memoria l’essenza e le conseguenze, e di riferire al presente il risultato così raggiunto, come primo passo verso tale concretizzazione, mi si rileva la figura di Lenin, il motore centrale, il cervello guida, la personificazione visibile della rivoluzione. E la sua figura si cristallizza meravigliosamente da un lato nella unità inscindibile di una potente volontà verso ciò che è radicalmente nuovo, e dall’altro in una matassa di contraddizioni reali dalla cui intima connessione risulta contemporaneamente la monumentalità umana della sua opera e la vastità dei problemi che quell’epoca aprì di necessità per ogni uomo.

Massimo Gorkij ha descritto nel modo più calzante l’effetto affascinante provocato da Lenin, che era, poi, il fascino della grande Rivoluzione, la ragione per la quale questi due momenti suscitavano nelle più diverse persone un odio infinito o l’amore più entusiasta. Secondo Gorkij, Lenin sapeva, «come nessuno prima di lui, impedire alla gente di continuare nel suo abituale modo di vita». Non si dimentichi: tutto ciò avveniva nel 1917, avveniva anche a persone che non vivevano in Russia, nel mezzo di una guerra mondiale che aveva fatto rovinare a tutto il mondo borghese, insieme con i suoi ideali, l’immaginaria sicurezza precedente il 1914, una guerra che costringeva ciascuno a riproporsi il problema della sensatezza o della insensatezza anche della propria vita privata. Ciò che Gorkij esattamente delinea qui come essenza dell’attività di Lenin, come irradiamento delle sue azioni, era l’essenza dell’epoca stessa, la domanda che questa rivolgeva ad ogni singolo individuo.

Nel suo aspetto più esteriore, «tale domanda sembra riguardare la violenza o la non violenza, se cioè approvare o negare un suo diritto universale a determinare, nell’intimo e all’esterno, la vita degli uomini. Per Lenin la risposta positiva era ovvia. Egli sapeva e proclamava, come marxista coerente, che quando l’umanità distrugge le sue vecchie forme di vita e s’accinge a costruire forme sostanzialmente nuove, sempre deve entrare in azione la violenza come inevitabile motore del rinnovamento. Non è questo il luogo per discutere l’aspetto storico-filosofico di tale alternativa. La stessa realtà sociale ha dato la risposta, annullando importanti voci contrarie come quella di Gandhi. Questa questione però, per la maggior parte di coloro che allora erano in vita, non era semplicemente un problema storicamente oggettivo. Per ciascuno di noi, la cui storia giungeva a questo bivio, la domanda si faceva personale, intima: quale posizione assumere, se la mia propria esistenza deve avere un senso, nei confronti di questa alternativa? Anche qui Gorkij ha molto chiaramente rilevato tale contraddittorietà, che risulta evidente da diversi frammenti di colloquio con Lenin. Il poeta si lamentava della crudeltà della vita quotidiana rivoluzionaria e nella replica, afferma il cronista, sorpresa e irata di Lenin vi è questa frase: «Con che metro misura lei, in una zuffa, il numero dei colpi necessari e di quelli superflui?». In un altro colloquio dello stesso periodo Lenin parla del suo amore per l’Appassionata di Beethoven, che egli però non voleva ascoltare troppo spesso. E, secondo l’espressione di Gorkij, «non proprio allegramente» aggiunse: «Si vorrebbero dire amabili sciocchezze e accarezzare il capo a uomini simili che, pur vivendo in un inferno ripugnante, riescono a creare cose tanto belle». Invece si deve, così conclude, «colpire senza pietà, sebbene noi, secondo il nostro, ideale, siamo contro ogni violenza nei confronti dell’uomo».

Naturalmente, in questo groviglio di tendenze e controtendenze, esiste una sicura norma di azione: il marxismo. Ed è superfluo dire quanto sia sempre stata importante per Lenin la sua dottrina integra, schietta. Durante la guerra, dopo lo scoppio della rivoluzione, negli anni del potere sovietico, la sua aspirazione fu costantemente questa: esporre la dottrina nella sua vera struttura, ripulita da tutte, le falsificazioni semplificatrici, applicarla secondo il suo senso vero. Non lo si mette in caricatura, ma si nota uno dei suoi aspetti, e non dei meno importanti, quando si considera Stato e rivoluzione una descrizione filologicamente esatta delle opinioni di Marx su questo insieme di problemi nella loro continuità storica. E nella pratica la repubblica dei Soviet appare di fatto come la chiave di volta, realizzata, di questo sistema di idee. Lo stesso Lenin però, al momento di introdurre la NEP, così descriveva la situazione teorica in relazione ai problemi del capitalismo di Stato nel socialismo: «A Marx non venne neppure l’idea di scrivere anche una sola parola su questa questione, e morì senza lasciare né una citazione né una indicazione incontrovertibile. Dobbiamo quindi cercare di aiutarci da noi stessi». E allo stesso modo il comunismo di guerra, già passato e in via di superamento, non lo considerava affatto una realizzazione della teoria di Marx. Esso «nacque forzatamente per la guerra e le rovine. Non era una politica che corrispondesse ai compiti economici del proletariato e neppure poteva esserlo. Si trattava di un provvedimento provvisorio».

Questo atteggiamento marxista allora — dopo decenni di deformazione e cristallizzazione opportunistico-dogmatica del marxismo — apparve a molti estremamente paradossale. E appare paradossale anche oggi, dopo decenni di deformazione dogmatica sotto Stalin. E questa paradossalità aumenta ancora se ci mettiamo davanti agli occhi il problema fondamentale della rivoluzione russa. Il marxista ortodosso Lenin fece esattamente il contrario di quanto diceva la previsione teorica di Marx — in linea di principio giusta, — secondo la quale la rivoluzione proletaria sarebbe scoppiata e avrebbe vinto dapprima nei paesi capitalistici più evoluti che avessero già liquidato i resti dell’arretratezza feudale. La Russia si trovava nel 1917 in una situazione rivoluzionaria e ciò, come Lenin giustamente vide, in relazione sia ai fattori oggettivi che a quelli soggettivi. La grande alternativa, capitalismo o socialismo, non venne posta da Lenin, e neppure dal suo partito, ma imperativamente dalla realtà sociale stessa. E Lenin si rese sempre conto fino in fondo del carattere alternativo della storia. Non esistono, diceva, situazioni senza uscita, non esiste cioè una «necessità» meccanicisticamente fatale dello sviluppo. Questo è il risultato delle attività umane, certo non solo degli individui, ma delle classi, delle masse. Per questo, secondo Lenin, una situazione rivoluzionaria nasce solo «quando “gli strati inferiori” non vogliono più il vecchio ordine e gli “strati superiori” non possono più vivere alla vecchia maniera». La guerra mondiale imperialista aveva creato in Russia una tale situazione rivoluzionaria e per i marxisti russi si trattava di reagire praticamente all’alternativa che in tal modo era stata loro posta.

Ed essi lo fecero, prima di tutto su appassionata iniziativa di Lenin, in un modo che contraddiceva la previsione teorica di Marx. Così Lenin fu alla testa di una rivoluzione sociale che, secondo un marxismo rigoroso, era irregolare. Ma la storia lo ha giustificato; noi sappiamo infatti che, nel corso di mezzo secolo, essa è diventata una determinazione esistenziale per gli uomini di tutto il mondo. Ma comunque, anche in questo caso Lenin ha forse negato la validità della teoria di Marx? Niente affatto. Egli ha sempre saputo che la Rivoluzione russa era un fatto decisivo nella storia del mondo, che bisognava approvare incondizionatamente; ma al tempo stesso sapeva che, benché questa grande iniziativa avrebbe efficacemente agito da esempio sul piano internazionale, essa non avrebbe potuto fare a meno di incarnare per lungo tempo quell’arretratezza economica che caratterizzava la Russia di allora in contrapposizione ai paesi capitalistici altamente sviluppati. Lenin agì dunque contro i presupposti teorici di Marx — ed agì bene, — ma senza dubitare un solo istante della loro validità sul piano storico universale. Per questo nel 1920 egli può scrivere positivamente sul significato internazionale della Rivoluzione russa. E tuttavia aggiunge: «Sarebbe ugualmente un errore dimenticare che dopo la vittoria della rivoluzione proletaria, anche se in un solo paese progredito… la Russia sarà immediatamente non più un modello, ma di nuovo un paese arretrato (nel senso del socialismo e del sistema sovietico)».

Queste riflessioni non vogliono fornire un quadro completo, e neppure vogliono avvicinarsi a tanto. Perciò interrompiamo qui, accennando soltanto, come conclusione integrativa, che Lenin, notoriamente il teorico di una rigida disciplina di partito, ugualmente nel 1920, a proposito del modo di mantenerla e di controllarla, scrisse che essa «si realizza… con la giustezza della direzione politica; con la giustezza della sua strategia e tattica politica, a condizione che le più larghe masse si convincano della sua giustezza per propria esperienza». Altrimenti la disciplina di partito si muta «inevitabilmente in una finzione, in una frase, in una farsa». La contraddizione, che qualche lettore attuale vi sente, è appunto l’unità leniniana tra disciplina di partito comunista e democrazia proletaria realizzata.

Allo stesso modo, tutto quanto negli esempi precedenti è apparso in superficie contraddittorio, non è nient’altro che un aspetto singolo di questo processo grandiosamente complicato e tuttavia grandiosamente unitario. Proprio perché questa unità costituisce il nucleo, l’essenza di tale processo, proprio perché la contraddittorietà in esso esprime solo la sua onnilateralità, la sua onnicomprensività, la sua intrinsecità rivoluzionatrice di tutto, appunto questo carattere della Rivoluzione del 1917, il carattere del suo centro spirituale, Lenin, non poteva non agire in modo tanto irresistibilmente affascinante (o, a seconda della classe e dell’atteggiamento, veementemente scostante). La crisi latente del vecchio mondo, già da qualcuno avvertita nel periodo della sicurezza come una corrente spirituale sotterranea, entrò come un uragano nella vita quotidiana degli uomini e li mise davanti a una cataratta di alternative le più diverse, mentre il vecchio mondo non era neppure in grado di formulare i propri problemi, balbettava oppure si inventava miti a richiesta. Di contro stava questa unità radiante e luminosa nell’esistenza e negli atti di un paese: la Russia rivoluzionaria. Non c’è da meravigliarsi che ogni opposizione, nella quale fosse viva anche solo una scintilla di autenticità, non potesse fare a meno di guardare in quella direzione. Walter Jens, che nessuno può sospettare di simpatie comuniste, ha scritto una volta: « Nessuno può mettere in dubbio infine che l’arte degli anni venti fu improntata, e non in piccola misura, dallo sguardo rivolto all’Unione Sovietica».

Nathan-Altman-Proletarians-of-All-Countries-Unite-

Proletarians of all countries – Unite!, 1920 di Nathan Altman (1889-1970, UKRAINE)

2. E l’arte nostra? L’inizio sembra semplice. Il gorgo di quella pienezza di problemi cui qui si è accennato, fece diventare Majakovskij il lirico tribuno del primo decennio rivoluzionario. Ma forse il caso del poema I Dodici di Blok, è ancora più caratteristico. Infatti, per tutto il corso della sua vita, questo grande poeta fu estraneo al mondo di idee della Rivoluzione. Ciò che lo colpiva, ciò che dette alla sua poesia grandezza universale, fu il pathos della problematica umana che essa andava scavando, fu la visione di un mondo nuovo capace di chiarire in domande e risposte autentiche ciò che era umanamente irresolubile per il vecchio mondo. Il fatto che Blok dia espressione alla strada e non all’arrivo, all’ansia e non all’adempimento, segna nel modo più chiaro la sua originalità, fa del suo poema l’espressione durevole dello stato d’animo universale di quei giorni.

Naturalmente se parliamo degli effetti dell’Ottobre sulla letteratura, non è possibile limitarci semplicemente ai giorni e alle settimane del rivolgimento immediato. Una letteratura che voglia raggiungere e conservare una validità universale, deve dare immagini valide di tutta la gran strada percorsa dalla Rivoluzione socialista e che ne ha fatto un idolo o uno spauracchio per milioni di uomini. Anche qui ci troviamo di fronte ad una situazione doppiamente contraddittoria ed eppure, alla fine, unitaria. Già al I Congresso dell’Internazionale comunista, Lenin espresse il timore che lo sviluppo della rivoluzione potesse procedere ad un ritmo così rapido che la coscienza degli uomini fosse incapace di seguirlo. Questo avvertimento, se fosse rimasto senza contrasto, avrebbe potuto anche soddisfare coloro che considerano come unico criterio di un’avanguardia artistica e intellettuale la mera capacità di aderire ai mutamenti dei dati di superficie. Ma proprio contro queste semplificazioni avanguardistiche Lenin si richiama di nuovo al marxismo, al suo essere radicato tanto nei mutamenti quanto nella continuità, al marxismo che ha raggiunto il suo significato storico universale, la sua forza rivoluzionatrice appunto perché «si è appropriato ed ha elaborato tutto quanto vi era di prezioso nello sviluppo di oltre duemila anni del pensiero e della cultura umana». Di nuovo una richiesta contraddittoria, vecchia e nuova: tener d’occhio il nuovo nella sua novità sostanziale, non restare indietro rispetto alla sua concretezza, ma in modo da non perdere mai l’altro lato del fenomeno che lo fa essere un momento essenziale nell’evoluzione dell’umanità.

Quella grande epoca ha avuto anche una grande letteratura. (Qui parliamo esclusivamente di letteratura, ma è impossibile non accennare al cinema di quel periodo). È vero: il numero delle opere letterarie importanti non è troppo grande. Se però lo paragoniamo con la più grande delle rivoluzioni precedenti, con la Rivoluzione francese, esso appare abbastanza notevole. In questa non nacque nessun capolavoro letterario che per attualità e universalità sia possibile paragonare a canzoni popolari come la «Carmagnola»; solo alcuni decenni più tardi la grandezza umana di quei grandi anni diviene forma poetica in Balzac e Stendhal. Per contro, il primo periodo della Rivoluzione russa si presenta — cito solo dei grandi esempi, non faccio un catalogo — con lo Jegor Bulyciov e con Klim Samghin di Gorkij, con Il placido Don, col Poema pedagogico di Makarenko. E queste vette si levano su una quantità di ottime opere che, a volte non a un grande livello di ideazione, ma assai spesso con onestà umana e artistica, descrivono quel mondo di alternative sempre acute nel quale nessuno poteva continuare a vivere nel modo abituale. Il che portò talvolta a tragiche catastrofi, talvolta a mutamenti interni che resero possibile vivere in condizioni del tutto mutate; e ciò poteva avvenire tanto negli ambienti intellettuali delle metropoli, quanto nei villaggi sperduti, tanto nel mezzo dei conflitti armati tra la rivoluzione e la controrivoluzione, quanto in solitarie stanze di studio.

Il placido Don spicca in questa serie di opere per il suo scorrere, possente, irresistibile. È una epopea del dibattito che i contadini del Don tengono con il vecchio mondo dello zarismo, con il suo crollo, con la lotta per la vita e la morte fra il vecchio e il nuovo. Esso mostra come le alternative dell’Ottobre valessero per ogni uomo e come quella grande contraddizione sociale penetrasse nella vita intima e trasformasse in un campo di battaglia anche l’anima dell’individuo. È un’epopea di profonda veracità nelle psicologie e nei destini: i singoli individui impersonano i problemi generali di classe e le decisioni di classe divengono destino di individui inflessibili. Il pro e il contro di molti contadini di fronte alla rivoluzione proletaria raggiunge una incarnazione autentica nella figura di Grigorij Malechov, nel cui animo e nel cui destino si concentrano tutte queste tendenze, a battagliare nelle loro contraddizioni, per giungere poi alla conclusione che un cambiamento è inevitabile. Il vecchio non ritornerà mai più, ma il nuovo non è lì già pronto, deve essere creato.

Molto lontano da questo vasto universalismo il giovane Fadeev dà forma in Diciannove al destino degli attivi soldati della rivoluzione, i bolscevichi, convinti. Proprio perché tali personaggi, a causa dell’epoca staliniana, appaiono equivoci, a volte con ragione — e il Fadeev maturo ha contribuito personalmente non poco a che ciò avvenisse —, è necessario mettere qui in evidenza questa rara riuscita. Il giovane Fadeev raffigura il comunista convinto, eroico, come risultato del suo stesso divenire, e ne descrive il comportamento positivo nella lotta fino al sacrificio personale. Cosicché il suo eroismo è profondamente legato all’epoca, ha radici profonde nel proletariato e, nello stesso tempo, ha un incancellabile carattere personale. Il modo con il quale egli cerca, in maniera assolutamente consapevole, una soluzione concreta per la buona causa e al tempo stesso sa solo cadere da eroe per essa, lo fa divenire rappresentante della morale di quel periodo eroico, un «tipo» di quell’epoca che di simili ne produceva anche al di fuori della Russia. La letteratura rivoluzionaria non ha saputo eternare come figure poetiche i vari Lewin di Monaco e Otto Corvin di Budapest. È il Levinson di Fadeev che rappresenta qui l’intera epoca.

Il quadro dell’epoca più imponente, più netto e più maturo resta però il poema eroico di Makarenko sulla nascita pratico-spirituale, sull’educazione al socialismo. Il punto di partenza è dato dalla profondissima desolazione della guerra civile: bambini che la guerra ha trasformato in vagabondi, e per la massima parte, in delinquenti. È impossibile qui anche solo accennare al metodo pedagogico di Makarenko, al massimo possiamo indicarne alcuni momenti di novità umana. Makarenko descrive il vicolo cieco di quell’individualismo anarchico che non può non nascere nell’animo di giovani i quali sono costretti a puntare esclusivamente sulla propria forza, sulla sopravvivenza fisica; descrive però anche come esso possa essere superato, come cioè la cosciente solidarietà con la collettività, nella quale ciascuno deve concretamente vivere e agire e che ciascuno con le proprie azioni contribuisce a plasmare, produca una forma superiore di personalità. E come soltanto questa unione fra socialità ed essere personale, che nasce in modo estremamente complicato e che funziona per conflitti, porti in luce l’individualità e la libertà umane. Nel mondo di Makarenko lo sviluppo umano dei bambini avviene solo in seguito a decisioni alternative che molto spesso terminano con un fallimento, con la catarsi dell’autocritica. Ma proprio in questo, tale mondo si manifesta come un mondo di autentica, di nuova libertà; la catarsi è diretta esclusivamente al mutamento intimo, alla fondazione spirituale dell’azione futura; essa è insieme una dichiarazione di guerra, elevata nella pratica a concezione del mondo, contro il pentimento, contro l’incatenamento ai peccati passati, contro le frustrazioni psichiche di ogni sorta.

Questi esempi vogliono essere solo esempi. Essi dimostrano che la letteratura autentica generata dall’Ottobre, e che attingeva allo smisurato groviglio di problemi che esso aveva scagliato nella vita degli uomini, si sforzava onestamente e con successo di elevare a forma poetica valida ciascuno degli aspetti umani della sua totalità. E anche se non ne uscì un quadro dell’epoca grandioso e universale come in Dante o Shakespeare, nella Commedia umana o nei grandi romanzi di Tolstoj, pure questa letteratura costituisce una degna eco all’appello fatto risuonare dall’Ottobre e dalle sue conseguenze.

Nathan-Altman-Factories-to-the-Working-People

Fabbriche per i lavoratori – 1918 di Nathan Altman (1889-1970, UKRAINE)

3. Negli anni trenta questa alta marea di valore universale nella letteratura russa decresce. Naturalmente di quando in quando — soprattutto nel difficile primo periodo della seconda guerra mondiale — nascono anche opere di livello notevole, ma il carattere fondamentale di quello che si è soliti chiamare realismo socialista in realtà rappresenta, come una volta mi è accaduto di chiamarlo, solo un certo «naturalismo erariale», guarnito di romanticismo cosiddetto rivoluzionario, ed è servito in generale a tappare le discrepanze fra i desideri, le fissazioni, i rapporti ufficiali, e la realtà, o a dare mano libera alla manipolazione burocratica.

Questa repentina caduta, vista da una certa distanza storica, è senza dubbio un frutto necessario dell’epoca staliniana. Ma per comprendere bene quest’epoca bisogna riandare alle sue basi essenziali, alla sua prassi sociale ed alla sua teoria. Il che purtroppo finora è accaduto molto di rado. Naturalmente vi ebbero notevole importanza i grandi processi e le successive massicce deportazioni nei campi di concentramento. Tutte queste però erano solo manifestazioni estreme da un sistema, non il sistema stesso. E quindi è stato possibile liquidare in larghissima misura questi eccessi della prassi, senza eliminare davvero il sistema.

Abbiamo visto: Lenin non si faceva la minima illusione sul carattere non classico, in senso marxiano, della Rivoluzione russa. Egli puntava perciò in Russia, come mostra la politica della NEP, a commutazioni sociali che superassero gradualmente questa arretratezza o almeno ne moderassero le conseguenze. Ma nei suoi ultimi anni, quando ormai la malattia gli rendeva difficile il lavoro, non riuscì a progettare un piano totale di riforme. E tuttavia la sua costante paura di una burocratizzazione del sistema sovietico dimostra che egli voleva attuare queste riforme conservando la democrazia proletaria.

Sarebbe inutile oggi stare a meditare su come queste riforme sarebbero state, se Lenin sarebbe stato capace di realizzarle… Davanti ai suoi successori — il testamento di Lenin mostra che egli era scettico su tutti, non solo su Stalin — stava dunque il problema di superare il più rapidamente possibile l’arretratezza economica della Russia. A questo problema si aggiunse, agli inizi degli anni trenta, un motivo fortemente acceleratore: l’ascensione del movimento di Hitler, la prospettiva di una nuova guerra mondiale, la necessità per il giovane Stato sovietico di essere in grado di difendersi dal militarismo tedesco, il che presupponeva naturalmente lo sviluppo dell’industria pesante. Non è certo questo il luogo anche solo per accennare un’analisi economico-sociale, storica di questo sviluppo. A noi interessa invece indicare qui come i metodi con i quali Stalin effettuò la trasformazione dell’economia sovietica, come tale corso ideologico del paese agì soprattutto sul corso della letteratura.

Dato che ripetutamente mi sono pronunciato in pubblico su questi metodi, ora posso essere relativamente breve. Prima di tutto il contrasto con Lenin si rivela in ciò, che non appena la fase acuta della guerra civile fu grosso modo passata, Lenin cercò di eliminarne i metodi specifici e di tornare ai normali sistemi di governo. Al contrario Stalin, non appena la situazione interna del partito si fu acutizzata anche solo di poco, e in una situazione sociale completamente tranquilla, ricorse di nuovo ai metodi della guerra civile e li trasformò in base «normale» d’amministrazione anche in condizioni del tutto consolidate. In questo modo, i mali inevitabili nella guerra civile, il dominio soverchiante del potere centrale e la sospensione di ogni autonomia e democrazia, si mutarono in una forma permanente di vita.

Per attuare conseguentemente tutto ciò in un paese dove il marxismo era divenuto la filosofia dominante, Stalin, pur mantenendo la terminologia marxista-leninista, dovette rovesciarne radicalmente i concetti, la loro connessione, gerarchia, ecc. Per Marx ed Engels i princìpi dello sviluppo sociale erano fissati scientificamente e teoricamente. Con il loro aiuto il partito era in grado di stabilire le grandi tendenze dominanti, permanenti, di un’epoca e così poi poteva essere scientificamente determinata la strategia del partito comunista e dello Stato socialista. Tale strategia, poi, permetteva di giungere a giuste risoluzioni tattiche nel mezzo degli avvenimenti quotidiani rapidamente mutevoli. La gerarchia principio-strategia-tattica risulta evidente in modo naturale nel passaggio dal grado più elevato al grado più vicino alla vita, che però non può mai percorrere la via deduttiva, ma al contrario è stato sempre pensato come analisi concreta di ogni concreta tendenza che opera realmente. Ora Stalin rovesciò questa gerarchia. Per lui la pietra di paragone era sempre il provvedimento tattico necessario al momento. Su questo poi veniva costruita «logicamente» in ogni caso una corrispondente pseudo-strategia e un altrettale sistema di princìpi, che poi naturalmente mutavano a ogni mutamento di tattica.

Questo assorbimento nella tattica di princìpi, prospettive e strategia, serve prima di tutto a rendere assoluta ogni definizione o decisione nata in questo modo. L’importantissima questione teorica e pratica del marxismo, di come debba essere giudicata sulla base dei princìpi e della strategia una azione tattica eventualmente inevitabile, in questo modo viene completamente messa da parte e con essa anche qualsiasi autentica autocritica del movimento rivoluzionario, che Marx riteneva sua differentia specifica di contro al movimento borghese. Marx ha detto che le rivoluzioni proletarie «criticano costantemente se stesse», ma Lenin è stato il primo e l’ultimo, come abbiamo visto, nel suo comunismo di guerra a praticare apertamente questo principio. Sotto Stalin esiste solo una forma di autocritica, vale a dire l’autocritica — spesso estorta dalla pressione dell’organizzazione — dei singoli che si erano permessi di manifestare dubbi sulle infallibili decisioni. In tal modo il metodo di Marx fu sfigurato e degradato a metodo di brutali manipolazioni.

Il che fu — a dirla francamente — una rottura totale con il metodo di Marx. De facto tale rottura Stalin la realizzò anche nella pratica. Lo fece però con l’aria di voler conservare il marxismo-leninismo ortodosso. Le affermazioni dei classici conservavano la loro validità, che anzi venne accresciuta, dogmatizzata dalla canonizzazione ufficiale. Ma come metodo definitorio e ordinatore vigeva il predominio della tattica, di cui appunto abbiamo parlato. Questo naturalmente non avvenne tutto in una volta. Dapprima Marx venne gradualmente spinto indietro da Lenin (l’edizione completa critica delle opere di Marx iniziata da Rjazanov, non fu né continuata né tanto meno portata a termine). Più tardi però anche Lenin cominciò a retrocedere di fronte a Stalin. Naturalmente continuava a esistere, era abbondantemente citato, ma solo fino a quel punto in cui le sue affermazioni sembravano confermare le momentanee indicazioni tattiche di Stalin. Si veniva così realizzando una grave deformazione del metodo di Marx e Lenin mentre si conservava la loro terminologia, dove naturalmente la deformazione metodologica mutava anche il contenuto di tutte le categorie, dava loro per la maggior parte un senso fisso, astratto, adatto alla manipolazione, burocratico.

Per la letteratura questa trasformazione del marxismo significò la sua sottomissione assoluta alle risoluzioni del partito (cioè di Stalin). «Scrivete la verità» consigliò una volta Stalin agli scrittori. Ma verità significava in pratica: accordo con le ultime risoluzioni del Comitato centrale. Abbiamo già accennato al fatto che questa completa deformazione metodologica non si verificò d’un colpo ma gradatamente, cosicché, in verità solo di tanto in tanto, solo episodicamente si ebbero anche voci di opposizione. Così, ad esempio, la coraggiosa e intelligente saggista Elena Usievic protestò contro l’idea che la verità di ogni scrittore dovesse essere scritta nelle risoluzioni del partito. Un’altra volta indicò l’inferiorità umana della poesia politica ufficiale degli anni trenta. Il suo appello allora a Majakovskij è un appello — in realtà, non pronunciato — alla ricchezza umana e sociale dei grandi anni iniziali della rivoluzione, in contrapposizione alla schematica degradazione dell’uomo del tempo di Stalin. Anch’io, sia pure meno direttamente, ho preso parte a questi tentativi di protesta. La prassi staliniana fece sì che fra la teorizzazione del partito e il contenuto d’idee dell’opera d’arte si stabilì un sistema meccanico di coincidenza necessaria, un rapporto di determinazione diretta. Quando io, commentando l’interpretazione engelsiana di Balzac e la critica di Lenin a Tolstoj, parlai di complicatezza, contraddittorietà tra la cosciente concezione del mondo di uno scrittore e il contenuto di idee della sua opera, anche questo era una protesta — altrettanto inespressa. Naturalmente tutti questi tentativi — che non furono i soli — vennero bruscamente respinti dalla stragrande maggioranza dei critici staliniani.

altman

Rostrums around the Alexander Column -di Nathan Altman (1889-1970, UKRAINE)

4. Il 1946 dette il via alla resa dei conti con la dottrina di Stalin. Anche qui bisogna rilevare che, come il dominio di Stalin aveva avuto in fin dei conti delle ragioni economico-sociali, anche la lotta iniziata contro quel metodo ebbe le sue. Quali che fossero i mezzi usati, Stalin riuscì a costruire nell’Unione Sovietica una forte industria. Guerra e dopoguerra ne sono dimostrazioni pratiche incontestabili. Ma come conseguenza di questo fatto si è avuto anche un cambiamento interno nella stratificazione sociale. Nell’Unione Sovietica esisteva ora una vasta e qualificata classe operaia. Al contrario degli anni trenta, quando gli specialisti economici e tecnici provenivano per la maggior parte dalla vecchia borghesia ed erano sovente avversari coscienti del sistema sovietico, lo sviluppo economico ha creato adesso un vasto strato di specialisti d’impronta nettamente sovietica. Comunque si vogliano valutare i metodi staliniani dei «commissari politici», degli universali controlli sull’intero andamento della società tramite la polizia politica, ecc., all’epoca della morte di Stalin questi metodi erano già storicamente superati dallo sviluppo sociale; erano divenuti solo freni dello sviluppo economico; e si dovette eliminarli.

Questa è la vera base sociale che ha portato Krusciov alla ribalta del XX Congresso e alla conseguente politica di riforme. Ancora una volta non è questo il luogo per descrivere gli alti e bassi di questo movimento. Sintetizzando si può e si deve dire però che proprio Krusciov ha criticato e corretto Stalin in gran parte alla maniera staliniana, con metodi staliniani, che anche successivamente il suo atteggiamento verso Stalin ha preso come modello metodologico un po’ la critica a Trotskij del periodo di Stalin. Non era e ancora oggi non è il caso di parlare di un tentativo davvero storico, davvero marxista, di critica all’opera staliniana. Per questo nel campo dei sostenitori delle riforme nasce sempre un certo nervosismo quando da qualche parte vengono sottolineati alcuni momenti positivi dell’attività di Stalin; si teme — e, aggiungiamo noi, non sempre senza ragione — che si tratti di sondaggi per riaccostarsi alla prassi staliniana.

Sul piano ideologico l’aspetto più importante è che la deformazione staliniana della metodica di Marx e Lenin e con essa la compressione, il freno dello sviluppo progressivo del marxismo continua a perdurare in nome della «partitiche» (di nuovo nel senso di Stalin e non di Lenin). Non potendo qui approfondire veramente l’argomento, non possiamo fare a meno di notare che in questo modo, se da un lato si è impedita con successo, un’analisi autenticamente marxista delle trasformazioni avvenute nella economia mondiale dalla morte dei classici in poi, si è impedita la scoperta dei suoi nuovi tratti economici, dall’altro lato però sono stati resi possibili l’affluire e la ricezione acritica delle «conquiste» occidentali nel marxismo. Al posto della autocritica e di una vera riforma basata sui princìpi, si è avuta spesso un’alleanza tra il burocratismo dogmatico-conservatore e certe nuovissime parole d’ordine occidentali. Si pensi alle proposte non di riformare le basi irrazionali, puramente burocratiche dell’economia di piano, con un ritorno ad un marxismo purificato, sdogmatizzato, fondato sulla realtà dei fatti, ma di superarla armando il burocratismo, immutato e conservato, di macchine cibernetiche, ecc. Dietro tali tendenze si nasconde il desiderio di accomunare le brutali manipolazioni del periodo staliniano e quelle «sottili» del capitalismo attuale. E a guardare la cosa da questo angolo di visuale, è solo coerenza quando accadono casi in cui il persistente burocratismo staliniano dà mano libera a qualsiasi avanguardismo, mentre mantiene una censura di buona rigorosità staliniana nei confronti della rinascita del marxismo.

Naturalmente alla lunga non è possibile frenare in questo modo lo sviluppo economico. Appare sempre più evidente che non basta la semplice distruzione del dominio assoluto della polizia politica e l’eliminazione dei vecchi stalinisti più responsabili e più incorreggibili, per mettere in moto una economia socialista funzionante e all’altezza dei tempi. Per questo in vari luoghi la forza imperativa della realtà economica provoca reali movimenti di riforma che — non importa per il momento sulla base di quale teoria — si sforzano di liberare le forze reali del rinnovamento economico e che, se davvero vorranno realizzare quanto è divenuto storicamente necessario, se davvero combatteranno fino in fondo, col passare del tempo saranno anche costretti a dar vita a una loro fondazione teorica, marxista.

Questa sconcertante pienezza di acuti problemi dell’esistenza determina anche le tendenze attuali della letteratura. Per questo la critica distruttivamente appropriata nei confronti del periodo staliniano è una questione vitale tanto quanto per la economia. Se davvero si vuole superare il naturalismo erariale, è necessario intraprendere un esame universale, approfondito, schietto sul piano sociale e umano, del periodo staliniano. Ci si può facilmente rendere conto dell’inevitabilità di una tale tematica. Se uno scrittore vuole parlare in modo autentico dei problemi del presente, dell’uomo di oggi, non può non prendere posizione come scrittore sul come essi sono diventati ciò che attualmente sono. Ma appunto il periodo del loro divenire, del loro maturare è il periodo staliniano; i conflitti nei quali gli uomini che oggi sono vivi si sono irrobustiti o sono stati spinti al dissidio interiore, all’abbrutimento, alla cristallizzazione, ecc., ecc., sono appunto i problemi del periodo staliniano, certamente non in senso astrattamente sociologico, ma proprio come concrete tendenze dell’epoca che agiscono positivamente o negativamente sulla storia di ogni individuo. Se non si dice spietatamente la verità su queste questioni, non è possibile distruggere veramente il naturalismo erariale. Quali strade, sul piano formale, la letteratura imboccherà, potrà dirlo solo la prassi degli scrittori onesti e di talento. Solo una cosa bisogna capire, che qui si tratta di prendere posizione su alternative di vita e non semplicemente di scegliere tra forme espressive efficaci. In sé è del tutto possibile con i monologhi interiori, i diaframmi temporali, il culto dell’assurdo, scrivere un’apologia del periodo staliniano, così come negli anni trenta ci furono opere che misero al servizio della letteratura allora ufficiale la «nuova oggettività», il montaggio ed altre correnti di moda.

Indubbiamente c’è qualche disposizione a una autentica nuova ondata. In talune poesie uscite recentemente nei paesi socialisti, e anche nella prosa, soprattutto nella novella. Alcuni anni fa io rilevai la grande importanza di Solzhenitsyn, proprio perché egli aveva affrontato con coraggio e talento il problema centrale di quel periodo: come gli uomini, nella lotta con la realtà quotidiana dello stalinismo, — e i campi di concentramento ne fanno parte, pur senza essere l’unico campo di battaglia — sapevano mettere a prova la sostanza della loro umanità, e conservarla, come in questa lotta venivano maturati o distrutti e corrotti. Da parte di burocrati, contro un tale giudizio sulla situazione, si obietta che non bisogna «rimestare» nel passato, che bisogna invece applicarsi alle questioni del presente. Ma prima di tutto c’è da dire che proprio qui stanno i problemi del presente.

Naturalmente, in una autobiografia ufficiale, scritta per la direzione del personale di un qualche ufficio, uno può anche manipolare il proprio passato in modo che esso vada a genio all’autorità competente; nella realtà però l’oggi di ciascuno di noi è grandissimamente determinato dall’atteggiamento che abbiamo assunto di fronte agli avvenimenti del periodo di Stalin. Non si può descrivere l’uno in modo autentico e valido letterariamente senza descrivere l’altro. Che cosa sarebbero diventati i drammi di Shakespeare se egli non avesse «rimestato» nel passato della Guerra delle due rose? Solzhenitsyh e i suoi commilitoni sono in tal modo precursori esemplari (e forse un giorno anche realizzatori) della nuova ondata del realismo socialista.

Nel giudizio sulle nuove tendenze bisogna essere molto cauti. Anche qui per ora possiamo stabilire solo la faccia negativa: le promesse che nascono adesso hanno ancor meno in comune con le correnti letterarie che dominano in Occidente. Ciò dimostra che sta nascendo davvero qualcosa di essenzialmente nuovo. Sono gli inizi di un’arte nuova, che sorge per soddisfare nuovi bisogni popolari; le sue forme vengono organicamente ricavate dal contenuto di quella richiesta sociale, alla quale essa deve la propria esistenza di fenomeno originalmente nuovo. Ma si potrà parlare a fondo di questi problemi estetici solo quando questa arte nuova si sarà dispiegata in una certa misura. Solo dopo — post festum — sarà chiaro se esistono fili che la collegano al primo periodo e come sono fatti questi legami. Per ora possiamo solo prender atto, con gioia e speranza, della sua esistenza e darle il benvenuto.

5. Crisi e ricerca di una via d’uscita oggi non si limitano affatto alla zona del socialismo. In Occidente adesso assistiamo di frequente al crollo di false immagini del mondo che erano state covate a lungo come salda verità. Oggi si dice spesso che la guerra fredda sta avvicinandosi alla fine. E in realtà quel che c’è dietro è molto di più di un semplice mutamento tattico di politica estera. Per gli Stati Uniti è crollato il sogno della validità universale dell’american way of life; per l’Inghilterra il sogno del Commonwealth come surrogato della condizione di potenza mondiale; per la Repubblica federale tedesca il sogno del roll back come base per un rinnovato predominio militare in Europa, ecc., ecc. Se poi si aggiunge che in questo periodo sono crollati tutti i vecchi imperi coloniali, che i «miracoli economici», ritenuti modi d’essere permanenti della economia, si sono rivelati semplici periodi di ricostruzione già terminati (per quest’ultima questione mi baso sulle indagini di F. Janossy), se si riflette infine che nella società dei consumi, apparentemente così perfetta, risulta sempre più chiaramente che è l’uomo ad essere messo in forse, ci si accorgerà che sono presenti, più che a sufficienza, motivi economici, sociali e politici per una crisi ideologica generale.

Anche occorre parlare soprattutto della letteratura. W. Jens, che già abbiamo citato a testimoniare sugli effetti della rivoluzione d’Ottobre, a proposito della delusione degli intellettuali tedeschi (e non solo tedeschi) provocata dagli avvenimenti degli anni trenta dice: «Gli intellettuali divennero una volta per tutte apolidi». Che questa apolidìa nel periodo delle illusioni capitalistico-imperialiste, nonostante tutto l’ostentato scetticismo e pessimismo, si sia dimostrata in sostanza solo autocompiacimento, adesso importa poco. I vuoti ideali del 1945, le utopie reazionarie del periodo della guerra fredda, sono ormai in via di disfacimento. Vorrei sottolineare adesso un solo sintomo, in verità importante, di questa crisi. Per interi decenni, tra gli intellettuali progressisti dell’Occidente è stato di gran moda disprezzare profondamente il marxismo come una ideologia troppo a lungo sopravvissuta al XIX secolo, messo ormai da parte per altri aspetti. Ora però la crisi ideologica spinge un numero sempre maggiore di intellettuali a vedere proprio nel marxismo la chiave per risolvere quei problemi ai quali neppure il pensiero borghese «più o meno progressista» è capace di dare una risposta.

Si intende da sé che questo fatto non può non mutare a poco a poco anche l’atteggiamento nei confronti della prospettiva socialista. E appunto qui, lo sviluppo concreto dei paesi socialisti si lega strettamente alla forza d’attrazione della prospettiva socialista nei confronti degli intellettuali dell’Occidente capitalista. Il fascino dell’Ottobre e delle sue immediate conseguenze consisteva nel fatto che in esso risultava evidente tutto un nodo di risposte che, per ragioni sociali, questi intellettuali non riuscivano a chiarire con i propri strumenti di pensiero quasi nemmeno nella forma di domande. L’angustia dogmatica, la rigidezza, il carattere grossolanamente volgarizzatore di quello che nel periodo staliniano si usava chiamare marxismo, non poteva per sua natura né esercitare tale influenza, né trattenere l’ondata antimarxista nel pensiero occidentale. Per il nascente interesse, per la crescente simpatia verso il marxismo che comincia a manifestarsi ora in Occidente, è quindi d’importanza determinante il modo in cui i comunisti parteciperanno alla rinascita del marxismo. Per ora la situazione è estremamente confusa. A un polo ci sono le tradizioni del periodo staliniano ancora fortemente radicate, all’altro polo non di rado si è avuta l’inclinazione ad andare incontro — anche troppo — ai pregiudizi ed alle confusioni di tutti i partecipanti alla discussione, fino ad abbandonare i principi fondamentali del marxismo. In ultima analisi però determinante è qualcosa che ovviamente non si realizzerà mai del tutto senza una autentica rinascita del marxismo: la veemenza della vita stessa nel socialismo sarà questa a dare la risposta. Per quanto all’interno del mondo socialista, la riforma dell’economia sia molto importante, il semplice aumento della produzione e del livello di vita non sarà mai capace di avere questa forza d’attrazione per l’Occidente (e questa era una delle illusioni di Krusciov). Questo processo, dunque, che suscita le più grandi speranze oggi appare ancora in uno stadio estremamente confuso; da marxisti tuttavia possiamo aspettarci come prospettiva, con buona coscienza teorica, il chiarimento così necessario del pensiero sulla base della riforma della vita sociale e dell’economia del mondo del socialismo.

Per queste ragioni l’insieme dei problemi sociali e umani dell’Ottobre non può oggi avere influenza, né estensiva né intensiva sulla letteratura occidentale. Come sempre, sono i problemi di vita del presente a decidere che cosa scrittori e lettori sono in grado di sentire come un passato vivo ed esemplare. E la letteratura occidentale per giunta ancora non è venuta in chiaro neppure con il proprio recente passato. Tale discrepanza risulta evidente dal fatto che ancora oggi gli immediati documenti umani della Resistenza antifascista — ricordiamo solo le ultime lettere dei condannati a morte, gli schizzi del carcere di Fucik — son d’un livello che la letteratura occidentale ha raggiunto solo in casi rari ed eccezionali. Naturalmente ci si muove, e validamente, in questa direzione, così in alcune novelle di Vercors, o Biliardo alle nove e mezzo di Böll, o Il Vicario di Hochhuth o gli ultimi drammi di Peter Weiss. Ma solo il Grande viaggio di Jorge Semprun si eleva sino quasi a raggiungere il livello del vero modello di vita.

In questa situazione si rispecchia l’avversione dell’Occidente a fare davvero i conti con il passato fascista. Il fatto che l’opinione pubblica della Bundesrepublik tenta di ridurre il problema dell’hitlerismo alla persecuzione contro gli ebrei, rivela nel modo più evidente questo rifiuto: i prestiti di guerra ad Israele forniscono una confortevolissima «catarsi» all’interno, rendono possibile agli ex nazisti di fare i dirigenti politici, e permettono inoltre una sordida concorrenza ideologica — velata naturalmente da riserve verbali — cogli eredi della estrema destra della reazione tedesca. Ma anche in altri paesi non si è giunti ad una definitiva resa dei conti con il fatto che soltanto la loro tolleranza permise ad Hitler di salire in alto fino a diventare una minaccia per tutta la civiltà umana. Ancora una volta, se volessimo approfondire le questioni che vi sono connesse, oltrepasseremmo di molto i limiti di queste riflessioni. Accenniamo solo a questo, che dipende dal presente se le irradiazioni dell’Ottobre non possono agire come vivo passato dell’umanità.

Un tale presente è ancora molto lontano. Non bisogna però sottovalutare il materiale esplosivo che è stato ed è accumulato, latente o eruttivo, in rivolte individuali, solitarie, personali. Naturalmente non parliamo qui di quel conformismo anticonformistico che sublima l’elementare scontentezza dell’uomo in una autocompiaciuta disperazione intimamente passiva, e che fornisce la propria alienazione come consumo di lusso per clienti esclusivi. Il contrario c’è sempre stato, così il tardo O’ Neill, la fine della pista di Thomas Wolf, o Menzogna e sortilegio di Elsa Morante, o Styron, o molti altri. Queste rivolte hanno una così grande importanza sociale ed artistica perché in esse, pur configurate come azioni individuali di uomini singoli, è sempre implicitamente presente l’in-sé della loro socialità. Sarebbe un compito importante e bello per il marxismo che cresce, trasformare questo in-sé in un per-noi chiaro, universalmente valido ed efficacemente unito. In questo modo sarebbe spianata la strada evolutiva per elevare questo in-sé della rivolta contro la alienazione nel mondo manipolato al suo essere-per-sé.

Le forme della alienazione umana in Occidente sono cosiffatte che proprio la letteratura e l’arte potrebbero dare notevoli impulsi alla volontà degli uomini per sfondare questo cerchio magico. La consapevolezza su se stessi, sulla propria situazione, sulle proprie possibilità, implica l’autocoscienza dell’uomo su se stesso, ma appunto come essere insieme autonomamente attivo e ineliminabilmente sociale. Obiettivamente, l’uomo non è stato «gettato» in un mondo alienato, ma vive in un mondo, per ostile che sia, il cui essere non può mai venir separato dall’essere della sua personale interiorità. Così l’uomo, in un certo senso, ha anche una parte di colpa per la sua alienazione, per cui anche il rifiuto del suo mondo circostante include sempre anche un’autocritica orientata praticamente, cioè una critica della realtà sociale oggettiva. Per questo il rifiuto dell’alienazione che resta semplicemente soggettivo, semplicemente sentimentale, slitta tanto spesso in un adattamento ad essa, pieno di riserve solo formali, perché l’alienazione sfugge a una reale dialettica, di soggetto e oggetto. Solo una dialettica, divenuta coscientemente pratica, di doppie negazioni intrecciate una nell’altra, dà alla sostanza umana la capacità di resistere, la spinge dal semplice immediato in-sé all’autonomo riconoscimento del per-sé.

Questo tipo di problemi scaturisce dalle specifiche determinazioni dell’odierno essere sociale. Il suo collegamento diretto con quel nodo di domande e di risposte che l’Ottobre ha scagliato nel mondo è quindi assai allentato, estremamente lontano e confuso. Purtuttavia è un collegamento che esiste nella realtà. E se la rinascita del marxismo guiderà i creatori dell’arte e i lettori a una tale coscienza e autocoscienza, in tal modo essa obiettivamente getterà un ponte fra l’Ottobre e la migliore letteratura di oggi e di domani.